segunda-feira, 2 de setembro de 2013

September 3th of 2013. 03 de Setembro de 2013

In the past, as a child, I perceived time in a totally different way. Sometimes I slept and woke up in the same day, thinking that I was already in another and I was late for class. I struggled to stay up late in the night. I did not want to sleep. I still do not want to sleep after all, but I end up sleeping anyway. The day is tiring as hell. I remember a time when I could sleep in the afternoon every day. I remember I could play video games and watch TV. I could go to my friends house and stay there, joking around, so if I ran from one place to another it was the definition of playing and enjoying life. I think even in childhood, in the end, going to meet friends is just an incessant search for companionship. What you do does not exactly make sense. Meaning only exists when you do with someone around, in the company of "yours." Today I decided to write because I wanted to record some fears. I do not know if I'm getting it right. I wake up every day at 7 o'clock in the morning and end the day now, 1 and a half hours in the dawn. What if this effort is a dumb effort? What if I'm completely wrong? What if I go wrong? It's September, the year has flown by. Another year, one more anniversary. I'm getting old. I've never felt like this would really happen. I've never felt so older before. I was asked what I felt when I was 17, 18, 19. Nothing new. Now I felt something new. With each passing year is an urgency to try to enjoy the time in the best way possible, but without guides or direction. You have plans, but they are not certainties. I'm scared to be following the wrong map. I'm scared of being poor, and sick as many. Or rather, remain poor and sick until my old age. I want to have a good, fun, productive life. I think everyone wants this. Or they want to have children. I think I'd like a son too. I would have had a child if I was not become so weird. Who would want a child of mine? Would I will have to marry a lesbian, as in the movie Priscilla? I do not even know how to have sex. I do not even know what a child is. And children make me afraid. Friends, who are my friends? I know some of them but how long would life allow their presence? I can not wait, just to go live and share an experience. That's where the fear rolls. Look who you walk with and you'll say who you are, that's what they say. I know who I am but I do not know who I walk with. Are they crazy? One freaked out, another freaked out as well. Are they bankrupt? They are. Are they as insecure as I am? Perhaps. And the talent? Are they all a shame too? Even to be a farce some talent is required. So much talent, I guess. And that's what's scary too. I always see people with no talent getting along well. Stupid people really. I do not know what to do.


***

No passado, quando criança, eu percebia o tempo de uma forma totalmente diferente. Às vezes dormia e acordava no mesmo dia, achando que já era outro e que estava atrasado pra aula. Lutava para virar a madrugada. Não queria dormir. Eu ainda não quero dormir no fim das contas, mas acabo dormindo mesmo assim. O dia é cansativo.

Eu lembro de uma época em que podia dormir a tarde todos os dias. Eu lembro que podia ficar jogando videogame e vendo TV. Podia ir na casa dos amigos e ficar lá, brincando, isso se correr de um lado para o outro for a definição de brincar. Acho que mesmo na infância, no fim, ir ao encontro de amigos é só uma busca incessante por companhia. O que você faz não tem exatamente sentido. O sentido só existe quando você faz com alguém por perto, em companhia "dos seus".
Hoje eu resolvi escrever porque queria gravar alguns medos. Eu não sei se estou acertando em vida. Eu acordo todos os dias as 7 horas da manhã e termino o dia agora, 1 hora e meia da madrugada. E se esse esforço for um esforço burro? E se eu estiver completamente errado? E se eu der errado?
Já é Setembro, o ano passou voando. Mais um ano, mais um aniversário. Estou ficando velho. Eu nunca senti como se isso fosse realmente acontecer. Eu nunca me senti mais velho. Me perguntavam o que eu sentia ao fazer 17, 18, 19. Nada de novo. Agora eu sinto algo novo. A cada ano que passa é uma urgência em tentar aproveitar o tempo da melhor forma possível, mas sem guias ou direção. Você tem planos, mas não são certezas. Morro de medo de estar seguindo um mapa errado. Morro de medo de ficar pobre, doente. Ou melhor, continuar pobre e doente. Quero ter uma vida boa, divertida, produtiva. Acho que todos querem isso. Ou querem ter filhos. Acho que eu gostaria de um filho também. Teria um filho se eu não fosse tão esquisito. Quem ia querer um filho meu? Teria que casar com uma lésbica, como no filme Priscilla? Eu nem sei fazer sexo. Eu nem sei o que é uma criança. E crianças me dão medo. Amigos, quem são meus amigos? Conheço alguns mas até quando a vida permitiria? Não da pra esperar, só da pra ir vivendo e compartilhando uma experiência. É ai que rola o medo. Olha com quem tu andas e dirás quem tu és, é o que dizem. Eu sei quem eu sou mas não sei com quem ando. Será que são malucos? Um surtou, outro surtou também. Será que são falidos? São. Será que são tão inseguros quanto eu? Talvez. E o talento? Todos são uma farsa também? Até pra ser farsa se exige um talento. Muito talento. E é isso que dá medo também. Sempre vejo gente sem talento se dando bem. Gente estúpida mesmo. Não sei o que fazer.

domingo, 2 de junho de 2013

O Problema da Governabilidade

Esse ensaio não é totalmente acurado e responde a uma questão do semestre de Política III. Garantiu minha passagem novamente sem DP.


O Problema da Governabilidade na abertura democrática



.         A chamada “Constituição Cidadã” ou a "Nova Constituição de 1988", que garantia direitos de liberdade, participação política e acesso ao bem-estar social, foi desde seu início motivo de controvérsias. Acusada como obstáculo da governabilidade e modernização nacional, “assegurou avanços na ordem social ao mesmo tempo que foi refratária a reformas econômicas e pareceu provisória ou incompleta no que diz respeito ao arcabouço político institucional. [ARANTES, Rogério e COUTO, Cláudio. “Uma Constituição Incomum”. In: ARAUJO, Cícero; CARVALHO, M. A. R. e Simões, J. (orgs.). 2010. A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo: Hucitec. pp22]. Durante o Governo Collor, tentou-se reformas no campo constitucional visando a contenção da crise econômica, sem sucesso. Uma das explicações consideradas para a crise de governabilidade do período foi a relação presidencialista que aliada ao modelo de sistema eleitoral e partidário criou o chamado “presidencialistmo de coalização” que obrigatoriamente exigia acordos multipartidários do executivo e do legislativo. Sarney e FHC também expressaram críticas em relação a constituição de 1988 e FHC buscou mudanças para dar dinamismo à economia mesmo sob críticas da oposição. Lula, o partido oposicionista e sucessor, apesar do passado de oposição radical as mudanças, continuou as reformas necessárias para um bom governo. Segundo Rogerio Arantes e Claudio Couto em “Uma Constituição Incomum”, o pragmatismo da constituição de 1988 restringiu o campo decisório aberto ao legislador ordinário e obrigou os sucessivos governos a recorrerem ao emendamento constitucional como forma de implementar sua agenda e evitar invalidação pelo judicionário em razão de uma possível inconstitucionalidade dessas políticas. A ausência de referências à Constituição pelo governo petista é condizente com sua postura oposicionista anterior, “mas constrata com a quantidade de emendas constitucionais aprovadas durante a gestão” [ARANTES, Rogério e COUTO, Cláudio. “Uma Constituição Incomum”. In: ARAUJO, Cícero; CARVALHO, M. A. R. e Simões, J. (orgs.). 2010. A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo: Hucitec. pp35]
.         Conforme análises, a crise governamental do primeiro período democrático, principalmente nos momentos finais antes de 1964, tem sua razão na disputa entre os poderes legislativos e executivos, vetando decisões do executivo e isolando-o. Fenômeno similar ocorreu durante o governo Collor, no segundo período democrático. A diferença é que após o período da ditadura civil-militar, o executivo manteve poder decisório superior ao período democrático anterior e mesmo no período Collor, realizando-se a partir de um governo isolado, o número de medidas legislativas aprovadas pelo governo foi superior a qualquer situação do momento democrático anterior. Outro ponto apontado na explicação da  não governabilidade e crise, além dos fatores econômicos e inflacionários, é a crescente fragmentação partidária pós binômio-partidário do período imposto na ditadura. O Presidenciacialismo de Coalização e a necessidade dos 3/5 dos votos nas duas Casas do Congresso criam a necessidade governamental do compromisso partidário e a crescente necessidade das alterações constitucionais criadas de cima para baixo. Além disso, segundo os autores, o fato de “quase 1/3 da Constituição de 1988 ser formada por Policies constitucionalizadas” repercute fortemente sobre as agendas governamentais e abre a possibilidade da discussão da inconstitucionalidade das mudanças constitucionais, acirrando o jogo partidário.
.         A constituição anterior, fortemente influenciada pelo Estado Novo, criava questões de reivindicação  participativa, cidadania e direitos sociais que no contexto do período posterior a Segunda Guerra Mundial aumentava o desconforto político ideológico dos grandes atores políticos e germinava aos poucos a necessidade do golpe sob a ótica dos interessados e do aumento da instabilidade institucional. A Constituição atual, apesar de todos os fatores envolvidos, da sua grave crise econômica, hiperinflação, altas taxas de desemprego, fragmentação partidária, etc, conseguiu manter a ordem constitucional inalterada, ou seja, revela uma maior aceitação da e consolidação das regras democráticas [KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19. pp26]. De qualquer forma, mesmo com a restrição de participação política durante o período ditatorial, a simples manutenção da existência de partidos e eleições criou condições para o processo democrático e futura transição.
.         A consequente fragmentação partidária após o período de bi-partidariamo militar em consonância com a fragmentação social brasileira não impediu no pensamento de muitos autores na conservação do sistema democrático. Levando em consideração todas as controvérsias, o problema maior não está na fragmentação política, mas sim na pouca inteligibilidade do processo eleitoral. [KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19. pp28], uma vez que no caso brasileiro, os partidos como organizções distintas não possuem contornos definidos, o que quer dizer, o jogo eleitoral possibilita coligações de partidos que deveriam, hipoteticamente, possuir valores ideológicos e políticos diferentes mas que na prática tendem ao centro-esquerdismo-direita.
.         O brasil atual, refletindo a alternância democrática, trouxe ao poder o tradicional Partido dos Trabalhadores, que de origens radicais e oposicionistas tambem aproximou-se desse posicionamento político de centro, o que criou cisões internas e maior possibilidade de apoio partidário, em situações até impensadas anteriormente, como o apoio de Paulo Maluf ao PT. “Assim, o que parecia a emergência de um novo alinhamento governo/oposição– assumindo o poder aqueles que dele estavam alijados – tornou-se uma situação sem contornos nítidos, em que partidos ligados ao governo anterior passaram a integrar a nova coalizão, e antigos adversários ideológicos passaram a compartilhar o mesmo bloco.” [KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19. pp35]. Fato que trás questionamentos às críticas de ingovernabilidade do Presidencialismo de Coalização e fragmentação partidária como fator obstáculo a consolidação democrática.
.         Segundo Lamounier em “Estrutura institucional e governabilidade na Década de 1990”, a constituição atual, de 1988, tem como base uma tríplice vertente ideológica. A primeira é baseada no corporativismo inicial do período Vargas e a modernização do trabalho como terceira via ao socialismo e capitalismo, o segundo ponto é baseado no aspecto consoativo da Polity nacional, ou seja, apesar da necessidade de dominação majoritária nas decisões legislativas e existência da representação partidária e consequente fragmentação baseada na própria existência de diversos interesses sociais e, em contrapartida, levando em consideração a hipertrofia do executivo pós-ditadura, o modelo brasileiro apresenta-se então não como um sistema de representação majoritária nas decisões da agenda política, mas ao contrário, como um bloqueio dessa situação majoritária, sendo assim “nosso subsistema partidário-parlamentar evoluiu, desde a década de 1930, muito mais no sentido de institucionalizar bloqueios do que no de facilitar a agregação de interesses e a implementação de uma vontade majoritária” [LAMOUNIER, Bolívar. 1992. “Estrutura institucional e governabilidade na década de 90”. In: REIS VELLOSO, João Paulo dos (org.). O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: José Olympio. pp27]. Criando em alguns momentos um verdadeiro impasse de paralização governamental. O terceiro ponto surge na própria figura do presidente como centralizador de poder e a estimulação do pluralismo no subsistema representativo. As reformas na década de 1980  levaram as últimas consequências esse modelo anterior consoativo de democracia. A não inclusão do sistema de lista bloqueada na escolha eleitoral nos anos de 1940 e a imposição do bi-partidarismo num sistema multipartidarista em 1964, além dos crescentes avanços sociais e corporativistas, trouxeram os meios, na abertura democratica, para o surgimento da democracia consoativa em sua perfeição, ou seja, a coexistência entre múltiplas fragilidades e a possibilidade da existência de um executivo isolado da maioria partidária fragmentada. [LAMOUNIER, Bolívar. 1992. “Estrutura institucional e governabilidade na década de 90”. In: REIS VELLOSO, João Paulo dos (org.). O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: José Olympio. pp38]
.         A suposta crise governamental é resultado das sucessivas problemáticas da economia nacional e pela paralisação decisória resultado da alta fragmentação partidária surgida na escolha das eleições de lista aberta e do regime presidencialista com forte centralização do poder, porém ambos os períodos democráticos apresentam diferenças na forma de condução do executivo e sua relação com as decisões da agenda governamental, como argumentado na crítica realizada por Argelina e Limongi, contrariando as demais argumentações sobre a crise de governabilidade. “Essas diferenças não são previstas pela argumentação institucionalista antes revista. Na verdade apontam em direção oposta. As taxas de sucesso e a predominância do Executivo na produção legislativa aumentaram acentuadamente no atual regime. Enquanto o Executivo aprovou 29,5% dos projetos de lei que enviou ao Congresso no período de 1946-64, depois da Constituição de 1988 a taxa de sucesso chega a 72,7%. Da mesma forma, a predominância do Executivo na produção legislativa aumentou de 38,5%  para 86%. [FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV. pp250]. O padrão das coalizações partidárias também esta mais consistente no segundo período democrático o que diferentemente do argumentado garante maior coesão partidária quanto em relação ao apoio governamental. A Constituição de 1988 também alterou o equilíbrio de forças entre o Legislativo e o Executivo, em comparação com a constituição de 1946, ou seja, a nova constituição é baseada num presidencialismo mais forte em herança do período militar. Um presidencialismo forte, ao contrário também do que é em geral argumentado, não se baseia em um poder executivo exercido de cima a baixo, impondo sua vontade ao legislativo. Baseia-se na cooperação do Presidente com as coalizações no Legislativo. Os mecanismos de veto, portanto, não servem como explicação ao (possivelmente mal) funcionamento do governo nos dois períodos democráticos pois é necessário levar em consideração outros ponto como as  mudanças do papel legislador do Congresso e hipertrofia do Executivo que, como argumentado, manteve  todos os poderes de legislar introduzidos pelos governos militares nessa nova Constituição. No período de 1946, o presidente possuia apenas um desses poderes: a iniciativa em questões administrativas em claro contraste com a situação atual onde o executivo tem amplos poderes de gerenciar a agenda legislativa. Um dos instrumentos mais poderosos à disposição do Executivo é a chamada “medida provisória” entrando em vigor imediatamente após sua promulgação.
A medida provisória tem 30 dias para votação no Congresso e se não for aprovada perde seu efeito legal, porém até setembro de 2001 tais medidas poderiam ser reeditadas indefinidamente. Como o regime brasileiro é considerado como um Presidencialismo de coalizão e busca apoio partidário, tais medidas provisórias tendem a receber apoio do Legislativo e, novamente, em todos os ambitos legislativos importantes. Porque se em 1946 o Executivo poderia iniciar apenas projetos administrativos, a nova constituição permite ao Presidente iniciar também projetos orçamentários, sobre impostos, medidas provisórias, emendas constitucionais e etc, com a vantagem de possuir o apoio das coalizões em poder. A medida provisória funciona na análise como uma “barganha” entre o governo e a maioria que lhe da apoio do que como uma ferramenta de resolução de conflitos com o legislativo. Ao contrário, esse mecanismo institucional garante a maioria governista uma situação favorável em relação a minoria oposicionista.
.         O próprio Congresso apresenta diferanças entre os dois períodos democráticos. Atualmente ele é altamente centralizado e depende dos líderes partidários. O presidente da Câmara e os Líderes partidários determinam a pauta legislativa, controlam todo o processo legislativo, podem obstruir a votação das medidas provisórias e são responsáveis pela designação e substituição de membros das comissões. Também nomeiam os membros das comissões destinadas a analisar as medidas provisórias e orçamentárias. Estas comissões não existiam no primeiro período democrático. Além disso, esses líderes podem representar as bancadas do partido, dessa forma acabam por decidir os procedimentos de convocação, emendas e urgência. Podem também retirar projetos de lei das comissões por meio de procedimentos de urgência e levar diretamente ao plenário. 
.         Outra importante questão é que os dois períodos democráticos diferem amplamente no sucesso da aprovação de projetos com Legislativo e na forma como esses projetos de lei são produzidos. No primeiro período democrático, analisando o processo de todos os presidentes, é aparente uma variação nos resultados legislativos, enquanto no segundo momento democrático os resultados legislativos mostraram-se mais estáveis [FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV. pp257]. A aprovação do orçamento anual também reflete as transformações entre os dois períodos. Em 1946 as leis orçamentárias eram proporcionais ao Executivo e ao Legislativo, enquanto na atual democracia, tais leis são predominantemente Executivas. O presidente mais bem sucedido do primeiro período democrático, Getúlio Vargas, aprovou menos de 50% de seus projetos de lei, enquanto que no segundo período democrático a taxa geral de aprovação ficou em tornou de 72,7% e somente Collor ficou abaixo dessa marca (Levando em consideração seu pouco apoio partidário e hiperinflação), ou seja, fica claro que o poder do executivo pode neutralizar os efeitos centrífugos da separação de poderes, mas se torna ainda mais eficaz se possuir o apoio partidário.
.         A utilização de medidas provisórias foi uma constante nos governos pós Constituição de 1988 e poucas medidas provisórias foram rejeitas pelo Congresso. No governo FHC e em razão das contantes reedições das MP, torna marcante o contraste das medidas reeditadas que foram incorporadas como modificações no texto original. Apesar disso, o uso constante de MP não baseou-se numa estratégia do governo para evitar a oposição. O número crescente de MP reeditadas foi concomitante com uma postura menos oposicionista  e menos ativa do Congresso. O presidente pode evitar que o MP entre em votação reeditando-a mas caso a maioria do Congresso seja contra, o Executivo não poderá impedir que a votação ocorra. O que quer dizer que as reedições do segundo período democrático podem contar com a maioria no Congresso e o Executivo não pode governar sem este apoio. A questão Collor reflete essa situação, pois não há estabilidade institucional quando a governabilidade é derivada do apoio de bases clientelistas que não o apoiam, ou seja, a estabilidade das decisões políticas necessita da negociação com a maioria em coalizão. “Portanto, e em desacordo com as suposições de grande parte da literatura, para governar os presidentes precisam formar coalizões. Como mostra Amorim Neto, eles de fato formaram gabinetes de coalizão majoritária com a participação formal de partidos políticos. [FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV. pp271].


Bibliográfia utilizada:

LAMOUNIER, Bolívar. 1992. “Estrutura institucional e governabilidade na década de 90”. In: REIS VELLOSO, João Paulo dos (org.). O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: José Olympio.

ARANTES, Rogério e COUTO, Cláudio. “Uma Constituição Incomum”. In: ARAUJO, Cícero; CARVALHO, M. A. R. e Simões, J. (orgs.). 2010. A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo: Hucitec.

ABRANCHES, Sérgio. 1988. “Presidencialismo de Coalizão: o Dilema Institucional Brasileiro”. In: Dados, vol. 31, nº 1, págs. 5 a 34.

LIMONGI, Fernando. 2006. “A democracia no Brasil: Presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório.”Novos Estudos, nº 76, novembro 2006, págs. 17 a 41.

FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV, págs. 249 a 280.

KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Nicolas, my condolences. Nicolas, mes condoléances. Nicolas, minhas condolencias.


I have a recurring dream where the situation is totally paranoid and the goal is to escape some control or persecution. It's terrible because all the places are guarded and full of walls and the way is always to hide in some empty street. This situation usually happens at night. Today I had a variation on that dream that was much more cruel. My name was Nicolas and I was being sexually abused. I wanted to get away. I was a child. All the frustration, anger and fear can still be felt and must be even stronger in the unconscious. I do not know why I had this nightmare, but sometimes I'm afraid of things I may not remember. As a child I changed so much from school to school, I fought so much and I do not even know my reasons and conjunctural motives of those moments. In the end, how many things did happen to you and you do not remember consciously? It is these things that have directed your being and yet you have no idea. Who did you become? Would you be any different?

J'ai un rêve récurrent où la situation est totalement paranoïaque et le but est d'échapper à un certain contrôle ou à la persécution. C'est terrible car tous les endroits sont gardés et pleins de murs et le chemin est toujours de se cacher dans une rue vide. Cette situation se produit généralement dans la nuit. Aujourd'hui, j'ai une variation sur ce rêve qui était beaucoup plus cruel. Je m'appelais Nicolas et j'ai été abusé sexuellement. Je voulais partir. J'étais un enfant. Toute la frustration, la colère et la peur peuvent encore être ressenties et doivent être encore plus fortes dans l'inconscient. Je ne sais pas pourquoi j'ai fait ce cauchemar, mais parfois j'ai peur de choses dont je ne me souviens pas. Enfant, j'ai tellement changé d'école en école, j'ai tellement combattu et je ne connais même pas les raisons et les motifs conjoncturels de ces moments. En fin de compte, combien de choses sont arrivées et vous ne vous souvenez pas consciemment? Ce sont ces choses qui ont dirigé votre être et pourtant vous n'avez aucune idée. Qui êtes-vous devenu? Seriez-vous différent?

 Eu tenho um sonho recorrente onde a situaçao é totalmente paranóica e o objetivo é fugir de algum controle/perseguição. É terrivel porque todos os lugares são vigiados e cheios de muros e o jeito é sempre se esconder em alguma rua vazia. Essa situação acontece, em geral, a noite. Hoje eu tive uma variação desse sonho que foi muito mais cruel. Meu nome era Nicolas e estava sendo vítima de abuso sexual. Queria fugir. Eu era uma criança. Toda a frustração, raiva e medo ainda podem ser sentidas e devem estar ainda mais fortes no inconsciente. Não sei porque tive esse pesadelo, mas as vezes eu tenho medo de coisas que eu posso não me lembrar. Quando criança eu troquei tanto de escola, eu briguei tanto e nem sei os meus motivos e motivos conjunturais daqueles momentos. No fim das contas, quantas coisas não te aconteceram e você não se lembra conscientemente? São essas coisas que direcionaram o seu ser e mesmo assim você não faz idéia. Quem você se tornou? Você seria diferente?

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Storyline, Scale and scrip: Suffering and revolted Márcio. Story line, Argumento, Escaleta e Roteiro: Marcio Sofrido Revoltado

ETEC JORNALISTA ROBERTO MARINHO
PRODUÇÃO DE AUDIO E VIDEO



Fundamentos da Narrativa e Linguagem Audiovisual
Entrega de Story line, Escaleta e Roteiro
Profº Responsável: Felipe Neves
BRENER CARNEIRO
São Paulo



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Story line e Argumento

Marcio Sofrido Revoltado

Marcio é um jovem que tem mais o que fazer e queria dormir, porem foi obrigado a fazer um trabalho sobre storyline, escaleta e roteiro. Tentava pensar enquanto tomava um café mas não conseguia inspiração em razão de um longo dia sofrendo por ter sido coagido a lidar com a sociedade. Ele queria se matar. Ele odeia roteiro, mas entende a importancia do assunto. Ele não quer reprovar em uma matéria que ele não gosta. Seus desejos de uma boa noite de sono se tornam cada vez maiores enquanto suas idéias não aparecem e o seu tempo está acabando. Marcio sabe que precisa acordar as seis horas da manhã para trabalhar. Não sabe o que fazer.

Marcio is a young man who has more to do and wanted to sleep, but was forced to do work on an storyline, scale and script. He tried to think while he was having coffee but could not get inspiration from a long day of suffering for being coerced into dealing with society. He wanted to kill himself. He hates script, but understands the importance of the subject. He does not want to disapprove in a class he does not like. Your desires for a good night's sleep get bigger and bigger while your ideas do not show up and your time is running out. Marcio knows he needs to wake up at six in the morning to work. Do not know what to do.


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Escaleta


Marcio Sofrido Revoltado (Escaleta)

SEQUÊNCIA 1: PENSAR
CENA 01 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Vista subjetiva do quarto e longo suspiro impaciente de Marcio.

CENA 02 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Visão subjetiva do notebook de márcio com o título do trabalho, texto em branco. Voz “off” reclamando de sono.

CENA 03 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Marcio olha o relógio. Descreve o horário e se revolta com as três horas de sono que vão sobrar caso ele consiga terminar o trabalho até as 3 da manhã, em voz ‘’off’’.

CENA 04 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Visão subjetiva do notebook. Marcio escreve e apaga. Toma um café. Coloca uma música chamada “Only you” de um cantor chamado “Savage”. Quase chora com sua situação, mas sem demonstrar porque não adiantaria nada demonstrar qualquer coisa. Marcio pensa em se matar e conversa mentalmente sobre a questão.

CENA 05 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Marcio fuma um “cigarro”. Em voz off comenta sobre o quanto é díficil sair de casa todos os dias e lidar com tantas pessoas todos os dias.

CENA 06 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Marcio ainda não tem idéias e está cada vez mais impaciente. Olha pra cama. Sai de onde estava e deita na cama. Levanta e senta em frente ao notebook. Escreve sobre sua raiva. Ouve “Isolation’’ da banda ‘’Joy Division’’. Termina o trabalho, fecha o notebook e sai do quarto.


SEQUÊNCIA 2: MORRER
CENA 07 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Visão subjetiva do teto.  Aparece o quarto e o relógio. Marcio dorme.


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Roteiro

Marcio Sofrido Revoltado (Roteiro)

SEQUÊNCIA 1: PENSAR
CENA 01 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
A cena surge mostrando uma cama, roupas jogadas, livros, um relógio, sapatos, uma mesa com um notebook aberto e um café. Em off screen ouve-se um suspiro impaciente. 

CENA 02 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Visão subjetiva do notebook de márcio com o título do trabalho, texto em branco.

MARCIO (O.S)
- Queria dormir. Não to conseguindo pensar. Tenho que escrever essa merda.

CENA 03 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Marcio olha o relógio. Marcio é apresentado sentado impaciente em frente ao seu notebook. É jovem, normal, descabelado e  está só de cueca.

MARCIO (O.S)
-Puta que o pariu, tenho 15 minutos pra escrever esse troço antes de dar três horas. Tô o dia inteiro fora de casa, com sono, e agora vou ter que acordar as 6 da manhã pro estágio. Três horas de sono se eu conseguir terminar isso. Acho que vou dormir.

CENA 04 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Visão subjetiva do notebook. Marcio escreve e apaga. Toma um café. Coloca uma música chamada “Only you” de um cantor chamado “Savage”. Quase chora com sua situação, mas sem demonstrar porque não adiantaria nada demonstrar qualquer coisa.

MARCIO (O.S)
-Talvez fosse melhor morrer logo de uma vez. Ou dormir. Não aguento mais ter que ir atrás de tudo o tempo todo. Ter que resolver tudo, fazer tudo. Eu só queria dormir. Eu não queria precisar acordar amanhã com um despertador escroto pra ter que ir correndo pra um ponto de onibus cheio de gente escrota e depois pegar esse onibus lotado e ainda por cima ser sexualmente abusado no metro. Todos os dias. Vou virar mendigo.

CENA 05 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Marcio fuma um “cigarro”.

MARCIO (O.S)
-Acho que o mais díficil é sair de casa e ter que lidar com todo esse pessoal da rua, com tantos olhares, com tantos ‘bom dia’s e tanta gente lerda no caminho. Gente atrapalhando, gente ajudando. Gente enchendo o saco.

CENA 06 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Marcio ainda não tem idéias e está cada vez mais impaciente. Olha pra cama. Sai de onde estava e deita na cama. Fica um tempo na cama. Fecha os olhos. Levanta da cama, volta para a cadeira e senta em frente ao notebook. Escreve sobre sua raiva. Começa a ouvir “Isolation” da banda “Joy Division”. Termina o trabalho. Fecha o notebook. Olha o relógio. 3:30 da manhã. Marcio sai do quarto.


SEQUÊNCIA 2: MORRER
CENA 07 – QUARTO DE MARCIO – INT – NOITE
Visão subjetiva do teto. Relógio matando o tempo. Marcio dorme.

domingo, 24 de março de 2013

Un peu d'insécurité. Some insecurity. Um pouco de insegurança.

Qui n'a jamais pensé à se suicider? C'est très difficile de traiter avec d'autres personnes. Je veux mourir quand j'entends des choses comme «Tu ne peux pas le faire - parce que tu vis dans la société». Vous n'êtes jamais assez beau, au contraire, vous êtes moche. Tu n'es jamais assez cool. Tu n'es jamais assez drôle. Vous manquez tout le temps et vous subissez des conséquences pour cela. Vous essayez d'intégrer et tout le monde tient à dire que vous n'appartenez pas, que vous n'êtes pas accepté. Dans le sexe, dans les amitiés, dans l'amour et dans la famille. Vous vous sentez mal, essayez de le réparer et vous perdez-vous. Vous ne vous perdez pas et vous trompez-vous. Tu ne t'en soucies plus et vous devez entendre que vous «vivez dans la société». Vous ne vous souciez plus et les gens sont offensés avec vous. Vous vivez dans la société et ils mettent un point d'honneur à vous montrer à quel point vous êtes inapproprié. Ils te font du mal, ils te maltraitent jusqu'à ce que tu te soucies à nouveau. N'était-ce pas plus facile de vivre? Vivre comment? Avoir à faire face à toute cette pression, avec tous ces gens?

***

Who in here has never thought about killing himself? It is very difficult to deal with other people. I want to die when I hear things like "You can not do it - because you live in society". You're never handsome enough, on the contrary, you're ugly. You're never cool enough. You're never funny enough. You are wrong all the time and you suffer consequences for it. You try to integrate and everyone makes a point of saying that you do not belong, that you are not accepted. In sex, in friendships, in love and in family. You feel wrong, try to fix it and get lost. You do not get lost and you get wrong. You stop caring and you need to hear that you "live in society". You do not care and people take offense at you. You live in society and they need to point out how inappropriate you are. They harm you, they mistreat you until you care again. Was not it easier just to live? Live how? Having to deal with all this pressure, with all these people?

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Quem aqui nunca pensou em se matar? É muito dificil lidar com as outras pessoas. Eu quero morrer quando eu ouço coisas como "Você não pode fazer isso - porque vive em sociedade". Você nunca é bonito o suficiente, ao contrário, você é feio. Você nunca é legal o suficiente. Você nunca é engraçado o suficiente. Você erra o tempo todo e sofre consequencias por isso. Voce tenta se integrar e todos fazem questão de dizer que você não pertence, que você não é aceito. No sexo, nas amizades, no amor e na familia. Voce se acha errado, tenta consertar e se perde. Voce não se perde e fica errado. Voce deixa de ligar e precisa ouvir que "vive em sociedade". Voce não se importa e as pessoas se ofendem com voce. Voce vive em sociedade e fazem questão de te apontar o quanto voce é inapropriado. Te prejudicam, te maltratam até que voce se importe novamente. Não era mais fácil apenas viver? Viver como? Tendo que lidar com toda essa pressão, com todas essas pessoas?

quinta-feira, 21 de março de 2013

“Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” (2004) de Carlos Fico - Análise



“Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” (2004) de Carlos Fico - Análise

    Carlos Fico apresenta “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” com uma justificativa do tema levando em consideração as comemorações recentes de períodos históricos de importância para a política nacional, decisivos ou não gratos. O autor considera também que o interesse crescente pelo período é diretamente proporcional ao desprendimento político que o distanciamento histórico possibilitou¹, o que trás novas discussões não permeadas por tabus ideológicos como por exemplo a afirmação sobre o pequeno apreço da democracia pelos atores históricos e a quebra do mito do presidente reformista João Goulart. Dessa forma, clichês sobre o golpe de 64 começam a ser abandonados em razão da nova fase de produção histórica sobre o período.
    A literatura sobre o golpe e o regime que o sucederia é marcada por dois grandes gêneros: o primeiro visava explicar e classificar as crises militares. O segundo seguiu uma vertente memorialística que foi responsável pelo primeiro conjunto de versões sobre a ditadura militar. É com a memorialística que uma série de controvérsias envolvendo as verdades históricas aceitas começam a entrar em discussão. O perfil de Castelo Branco, considerado legalista e moderado, torna-se sob a nova ótica apenas mais uma aparência derivada da benevolência dos biógrafos² e, ao contrário, sua imagem “real” surge representada por um ator que agiu conforme as conjunturas políticas e que “foi complacente com as arbitrariedades da linha dura, não teve forças para enfrenta-la e permitiu, assim, que o grupo de pressão fosse conquistando, paulatinamente, mais espaço e poder” (FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 33), ou seja, Castelo Branco possui um perfil bem mais omisso que o clichê histórico moderado. Além disso, ele também foi responsável por sancionar e estabelecer diversos veículos censores iniciais, sendo assim, estas novas informações evidenciam que o projeto repressivo baseado numa “operação limpeza violenta e longeva estava presente desde os primeiros momentos do golpe. Isto significa que o AI – 5 foi nada mais que o amadurecimento e um processo que se iniciara muito antes³.
    A crença na “utopia autoritária” empolgava de maneira diferente os diversos grupos militares e segundo estas pesquisas foram poucos os militares e civis envolvidos diretamente em tortura e assassinato político, o que não pretende minimizar o envolvimento dos militares na repressão, mas sim refinar a análise histórica4. O posicionamento dos militares em relação à repressão violenta é um dos aspectos mais importantes dos estudos do período. A tese de que os excessos foram praticados por subalternos sem a aprovação dos oficiais chegou a ser admitida, porém ela não se sustenta para o período posterior do AI – 2 de Castelo Branco, sobretudo após a implantação do Sistema Codi-Doi (1969 em diante), que era um complexo organismo político que mesclava polícia civil, militar, bombeiros, etc e que foi responsável pelos principais episódios de tortura aceitos pelos comandantes e governos militares como uma necessidade conjuntural5.
    É necessário destacar que o anseio punitivo da linha dura não surgiu repentinamente em 1968, como uma reação a “luta armada”, esquerdista de fato, a partir do AI – 5, as diversas instâncias repressivas já existentes passaram a agir segundo o ethos da comunidade de segurança.
    A produção recente do tema abandona explicações fundadas em conceitos como classe social e estrutura econômica, buscando no lugar uma estratégia cognitiva do indivíduo e seu cotidiano. As principais teses explicativas do golpe de 1964 seguem três correntes: teorização da Ciência Política, análises marxistas e valorização do papel dos militares. Alfred Stepan, cientista político, considera que as razões para o golpe encontram-se na inabilidade de Goulart em “reequilibrar o sistema político”. Até 1964, os militares apenas transferiam o governo civil para outro grupo de políticos, ou seja, os militares tinham um caráter moderador.
"A situação brasileira certamente requeria uma liderança hábil e um estadista capaz."
Em 1964, diferentemente, os militares sentiram-se em condições estruturais para a tomada e poder na transição do governo civil falho, governo que poderia colocar em risco a própria hierarquia militar. A medida, para o autor, foi de certa maneira preventiva, porque Goulart poderia dar um golpe com os comunistas e criar exércitos populares de suboficiais. A tese de Stepan, porém, é problemática quando coloca a participação militar como uma “variável dependente” do sistema político global e sua análise da ideologia militar do período é superficial. Wanderley Guilherme dos Santos faz outra análise elaborando um modelo teórico que leva em conta a instabilidade governamental do período, utilizando o número de ministros e chefes de empresas estatais demitidos e a polarização do governo em grupos radicalizados, ao invés de um perfil conciliatório e moderado do legislativo. Argelina Figueiredo, de outra forma, atribuiu grande importância à recusa de determinismos para o golpe, como fenômenos econômicos e políticos que levariam a inevitabilidade da crise. Recusa também a centralidade do papel da burguesia conspiratória, pois a existência de uma conspiração não é condição para um golpe. Argelina deixa clara a existência de opções abertas de ação política. A análise marxista por outro lado, de Jacob Gorender, funda a explicação da crise nos interesses da burguesia industrial, que alterou a estrutura política de acordo com a necessidade de classe, em uma reforma moderadora, defendendo-se também da ameaça de uma reforma de base. Segundo Dreifuss, foi preciso construir uma rede de apoio desses grupos privados com as forças armadas em uma conspiração política, ou seja, um movimento civil-militar. Se a preparação do golpe foi uma parceria, o golpe em si foi claramente militar. Glaucio Ary S. faz uma crítica ao economicismo do pensamento político através da coleta de depoimentos dos militares. Enfatiza que “o golpe foi uma conspiração dos militares com o apoio dos grupos econômicos e não uma conspiração dos grupos econômicos com o apoio dos militares” (FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 53).
    As causas para o golpe de 1964 são, dessa forma, resultado de diversas situações e crises sucessivas, com causas múltiplas, acordos e receios de diferentes atores políticos com interesses próprios em uma complexa rede de interferência.

Bibliografia
1. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 30.
2. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 32.
3. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 34.
4. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág 34.
5. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 35.
(FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 33)
(FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 53)

quarta-feira, 6 de março de 2013

“Toda nudez será castigada” (1973) de Arnaldo Jabor - opinião

“Toda nudez será castigada” (1973) de Arnaldo Jabor




Prostituta Geni
Entendo o filme “Toda nudez será castigada” como indicado no ínicio: pelo fim. A tragédia de Geni é a dor das pessoas que não são correspondidas. Pessoas que conhecem o amor, que alcançam o ser amado, que recebem promessas de amor, mas ao mesmo tempo não sentem-se correspondidas pois essa sensação é exterior ao íntimo delas. A ambiguidade das relações de Geni esta presente em todas as personagens que ela se relaciona. O pai que ama e quer casar é também o pai que recusa toda e qualquer relação com uma prostituta. O filho homossexual adolescente é aquele que representa o grande amor, a redenção de uma mulher madura.
Mesmo geni é ambigua pois sofre de amor pelo pai, pelo filho, pela falta de amor. Cria paixões amorosas em seus clientes e mesmo assim continua sentimentalmente sozinha. Apoia-se em cada chance de afeto e sofre por cada chance de afeto.
As tias da história agem como as bruxas de Macbeth comentando pontualmente sobre Geni: primeiro como culpada, prostituta. Redimida pelo casamento com o pai e contrato secreto com o filho, é alçada pelas bruxas/tias ao posto de mulher honrada, cuja virgindade será perdida em matrimônio.
A viagem do filho também é um reflexo do desejo ambiguo de Geni. No começo era visto como necessário ao sucesso de seus objetivos, de seu casamento e felicidade e no momento seguinte é enxergado como o colapso final das relações e motivo de seu futuro suicídio.
O filho é também alvo da ambiguidade opinativa de Geni, porque esta entra em contato com ele como a figura protetora, aquela que pode salva-lo do seu trauma, ou seja aparece então como em uma posição superior e sente pena do rapaz. Em um segundo momento Geni depende emocionalmente do garoto, sendo ele o grande amor de sua vida e o responsável por sua redenção. O tributo para isso é sua própria carne, é a traição de si mesma, de suas opiniões e valores e a traição do pai. O suicídio é o corte de sua carne, o resultado final dessa falsa redenção que dependeu do sacrifício de si para a concretização do sonho de se casar e ser amada. A ambiguidade de Geni é mais uma vez demonstrada pois mesmo a sua falsa redenção é uma redenção verdadeira. Afinal Geni está apenas seguindo seu desejo e suas motivações e agindo conforme a situação, mesmo que isso acabe sendo uma ação contrária as suas motivações anteriores.
A tragédia de Geni é o medo do estar sozinha, da autosuficiência emocional. A liberdade da não existência de laços emocionais aterroriza a personagem. De sua história só é dito que sua mãe havia morrido de cancer. As únicas pessoas em seu casamento são figuras neutras do mundo da prostituição: a bicha e a prostituta figurante. Nesse sentido Geni surge novamente em sua figura dupla, por um lado livre de laços emocionais e prostituindo-se, e por outro lado perseguindo desesperadamente e visceralmente as figuras amorosas de sua cosmologia. Por fim, o suicídio é também seu último deboche aos laços emocionais, sendo a validação de sua liberdade em relação ao pai/filho e, novamente, ao mesmo tempo, a comprovação da importância de tais laços em sua vida.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Poema do Dinheiro - Money Poem - Poème d'argent

Vontade de comprar um vestido de gala, caro.
Comprar uma maquiagem, barata.
Sair. De graça.
Borrar toda minha cara:
chorando, bebendo,
beijando e fumando.

***

Voulez d'acheter une robe de gala, bien cher.
Acheter un maquillage, pas cher.
Sortir. Gratuit.
Effacer tout mon visage:
pleurer, boire,
embrasser et fumer.

***

Willing to buy a gala dress, expensive as shit.
Buy a makeup, so cheap.
Get out. For free.
Mess up all my face:
crying, drinking,
kissing and smoking.

sábado, 5 de janeiro de 2013

O Nadador e o Lutador - baseado em The Fox and The Hound de Daniel P. Mannix e inspirado por Charles Bukowski


I

Não sei direito por onde começar minha história, acho que ninguém sabe. Minha mãe me contou que antes de mim ela era bem sozinha. Eu também cresci sozinho. O bairro onde eu vivia não tinha gente da minha idade. Cresci vendo dois garotos mais velhos batendo em um outro da casa ao lado. Eram os únicos garotos da região. Nunca conversaram comigo, sempre me mandavam embora. A mãe deles, todos chamavam de Mãe Vivi, estava sempre pintada e com muitas jóias. Minha mãe nunca se pintou e tinha as unhas curtas. Ela parecia incomodada quando tinha que lidar com a Mãe Vivi. Mãe Vivi sempre ficava feliz ao me ver. Nunca entendi. Nunca me contaram quem era ela. Fui crescendo assim, vendo os garotos mais velhos brigando. Sendo chutado. Nunca tive amigos na escola. Quando eu estava com uns 14 anos apareceu um menino novo na rua. Era meu vizinho. Ele, ao contrário de mim, não tinha mãe, só um pai. Tinha um irmão também. Uma vez ele veio falar comigo.
-Oi, o que você esta fazendo?
-Não sei.
-Quer fazer alguma coisa?
-Sim.
-Qual é seu nome?
-Bruno.
-O meu é Felipe.
Depois desse dia passamos a brincar juntos. Ele sempre tinha que voltar mais cedo. Minha mãe nunca ligou, ela sempre trabalhou. Um dia estavamos cansados de brincar pelo bairro e Felipe disse que seu pai não estava em casa. Fomos até lá. Ficamos no quarto dele. Quando anoiteceu voltei pra casa. No outro dia ele dormiu na minha casa. Também teve que ir embora mais cedo, quando ficou de noite. Minha mãe ficou feliz por eu ter um amigo. Fizemos isso por um bom tempo. Era legal ter alguém pra brincar. Um dia estava dormindo na casa dele e o pai dele apareceu. Bateu na porta do quarto. Parecia irritado.
-Que porra é essa? Viado do caralho. Vou te matar seu filho da puta, eu sabia!
O pai e o irmão bateram no Felipe, me puxaram e eu não sabia o que fazer. O pai dele pediu que o irmão me segurasse. Consegui me soltar. Ficaram gritando que eu ia morrer. Consegui fugir e sai correndo. Voltei pra casa e chorei.
Mãe Vivi olhava tudo pela janela. Ela sabia o que estava acontecendo. Viveu muito. Ela conhece coisas. Sabia mais que os próprios garotos. Os garotos nem tinham idéia. Ninguém explicou pra eles o que era certo e o que era errado. –Deus, não sei por que o mundo tem que interferir, seria melhor que os deixassem sorrir. Pensava sozinha em seu quarto. -Quem sai do convencional já não é mais normal... Não sabem talvez que o mundo pertence a vocês. Mãe Vivi sabia das coisas. É por isso que tinha dinheiro.
No mesmo dia o pai de Felipe bateu na porta de casa. Queria falar com a minha mãe. O irmão de Felipe estava lá também e me fazia sinais de ameaça.
–Seu filho estava la em casa fazendo SABE O QUE? SABE QUE PORRA ELE FEZ? SABE O QUE ELES FICAM FAZENDO ENQUANTO A GENTE TRABALHA? SEU MARIDO SABE?
A mãe de Bruno não sabia. A mãe de Bruno não tinha marido.Não tinha idéia de quem era aquele sujeito, porque ele estava gritando ou o que deveria fazer. Mandou Bruno entrar no quarto... Fingiu estar furiosa porque é isso que mães fazem nessa situação ou seria melhor ficar chocada? Márcia não sabia o que fazer. Estava adorando a situação. Bruno não conseguiu mais ouvir a conversa. Agora a mãe de Bruno sabia o que tinha acontecido e lembrou que os pais dela disseram que isso está errado. Então isso estava errado. Deixou Bruno de castigo mas nunca explicou os motivos.  Bruno não entendeu.

II

No dia seguinte Felipe foi obrigado a fazer as malas. Não sabia porque estavam todos tão irritados com ele. Ninguém explicou. Felipe não entendeu. Entraram no carro. Foram embora. Bruno viu tudo pela janela. Eram vizinhos. Felipe também viu Bruno, tentou acenar. Levou um tapa de seu irmão. Bruno estava sozinho novamente. Não estava mais de castigo mas agora estava sozinho. Passou em frente a casa de Felipe e viu tudo apagado. Mãe Vivi estava passando na rua. Casaco de pele e jóias. Maquiada. Bebia uma garrafa de algum tipo de refrigerante amarelado sem gás chamado Whisky. –Não beba. Beber faz mal. Continuou bebendo. Felipe vai voltar, ela contou. Disse a ela que continuariamos sendo amigos para sempre. Ela riu e disse que ele voltaria diferente. Eu disse que isso não aconteceria, que ele nunca iria mudar. –Espero que esteja certo mas, querido, para sempre é muito tempo e o tempo tem um jeito de mudar as coisas. –Quando Felipe voltar ele vai ser outra pessoa, vão ensinar pra ele como ele tem que ser.
O tempo passou, minha mãe me colocou no clube de natação. Eu me esforçava mas nunca fui o melhor. Estava crescendo. Diziam na escola que eu era bonito. Eu tinha um corpo “bom” também. Os garotos mais velhos tiravam onda comigo, acho que eu tinha roupas bonitas também, mas nunca me bateram, como faziam com o Jimmy. Eu era forte. Mãe Vivi sempre me elogiava. Essa mulher nunca ficava velha. Era sempre velha mas nunca ficava velha. Devia ser a máscara de puta que ela desenhava na propria cara. Agora eu estava com 16 anos. Os garotos mais velhos continuavam sendo os garotos mais velhos. Continuavam batendo em Jimmy, o outro garoto. Agora sei quem é Jimmy. Ele é rico. Ninguém gosta dele porque ele é rico. Ele é viado também, dizem. “Ele é viado”. Ser viado deve ser profissão porque falam como se fosse alguma coisa. É como puta. É como nadador, que é o que eu sou, ou funcionária pública, que é o que minha mãe é. São coisas que as pessoas fazem por algum motivo e alguém vai gostar ou vai te odiar por isso. Um dia eu estava voltando pra casa e vi que as luzes da casa de Felipe estavam ligadas denovo. Mãe Vivi estava comigo, de passagem na rua. Olha Mãe Vivi, acho que o Felipe voltou. –Porra, ele ta enorme!
-hahahaha e olhe só o jeito dele, fiquei sabendo que ele faz algum tipo de luta agora.
-Eu sei Mãe Vivi, ele ta diferente.
-Tem razão, e você faz natação, não vai ter o que conversar com ele.
-Bah, isso não faz diferença. Ele vai ficar feliz em me ver.
-Olha querido, não exagere suas esperanças.
-Não se preocupe, eu terei cuidado, vou lá falar com ele quando ele estiver sozinho. Vou lá à tarde, quando seu pai e seu irmão estão fora.
       Felipe. Brincavamos juntos antes. Um dia tentaram me bater por causa disso. Acho que a gente era “viado” naquela época. Jimmy, o viado, era realmente rico. Um dia ouvi os garotos mais velhos reclamando que ele tinha conforto enquanto eles eram uns fodidos. Eu também tinha conforto, mas não era rico. Não era viado também. Nunca gostei de pintos. Nunca pensei em pintos.
Um dia eu passava pela rua e encontrei Felipe arrumando alguma coisa em seu quintal. Ele não falou comigo mas eu tinha certeza que era ele. Acenei. – Sou eu, Bruno. Ele veio falar comigo. –Eu sabia que era você Bruno. Vi você chegando.  Poxa, você cresceu pra caralho! Você também cresceu, respondi. –Vi que você voltou com seu pai e seu irmão.
-É bom ver você Bruno.... Por alguns minutos ambos se olharam, queriam se abraçar mas não sabiam como.
-Mas sabe, não é bom você vir até aqui. Vai acabar ferrando a gente.
-Escuta, só queria te ver. Nós ainda somos amigos, não somos?
-Bruno, aqueles dias acabaram. Sou diferente agora. É melhor você ir embora antes que meu irmão te veja.
-Não tenho medo do seu irmão.
-Bruno, eu falo sério.
Antes que Felipe terminasse a frase, Bruno se aproxima e fica com o rosto bem próximo, quase colado. –Você não quer que eu vá embora. Faz 4 anos que não nos vemos. Felipe rouba um beijo. Bruno rouba um beijo. Não sabem porque fizeram isso. Deu vontade. O desejo não tem razão.
A porta da casa se abre e sai o irmão de Felipe. –Pai, pega a porra da arma. O pai de Felipe sai da casa com uma arma em mãos. –Eu sabia que isso ia acontecer denovo, vai ser a última vez. –Felipe, vai ficar ai parado? Você não é viado também né? Ta apaixonado? Você tem que ensinar uma lição pra esse muleque te deixar em paz!
Começo a fugir, saio correndo, não é questão de covardia, é alguém nada a ver gritando com uma arma. É você e um doido com uma arma. Consigo me esconder e ouço os dois idiotas gritando e correndo atrás de mim. Felipe me encontra. –Não quero te ver morto. Vai embora!
Eu saio correndo mas o irmão do Felipe aparece em minha direção, corro pra rua e vem um carro. Quando eu olho pra trás vejo o irmão de felipe sangrando na rua. Puta que o pariu. Vou matar você, grita Felipe. Puta que o pariu. Minha mãe chega em casa e percebe que eu não estava. Viu pela janela que eu conversava com o Felipe. Viu que nos beijamos. Viu que o irmão dele saiu. Viu que o irmão dele entrou. Viu que o irmão dele saiu com o pai dele e uma arma. Deixou as sacolas de compra cairem no chão e saiu. Onde estão todos? Que barulho foi esse? Viu o acidente. Eu não sei mas não parei de correr. Estava muito longe. Fiquei alguns dias na rua. Tive medo de voltar porque Felipe também queria me matar. Encontrei outros meninos na rua. Faziam programa. Me deram algo pra comer e beber. Me deram algo pra fumar. Me deram uma bala. Me deram um negócio pra cheirar também. Achei um lugar pra ficar. Outro garoto disse que era o ponto dele e me mandou embora. Um velho, gordo, nojento, disse que estava me observando. Disse que eu poderia ficar na casa dele por um tempo se eu quisesse. Eu fui. Achei gentil. Eu precisava de um lugar. Eu precisava esperar pelo menos essa noite passar. Eu dormi na casa desse porco. Acordei com ele se esfregando.
-O QUE É QUE HOUVE? ONDE EU TO!? PORRA.
Voltei pra casa, já era dia e as coisas estavam mais certas.

III

Mãe Vivi chegou em uma de suas filhas e disse que precisava de um favor. As pessoas sempre deviam favores a Mãe Vivi. Disse que tinha um sobrinho pra chegar e que precisava de um favor. Amber adorava Mãe Vivi.
-Querida, meu sobrinho vai se mudar pra cá e eu preciso que você o conheça. Ele é jovem, da sua idade e gostoso.
-Gostoso?
-Sim, ele se chama Bruno. Você vai gostar, é seu tipo.

IV

Mãe Vivi e minha mãe pareciam preocupadas. Minha mãe disse para que eu fizesse as malas. Disse que iam me matar naquele bairro. Disse que me enviaria dinheiro e eu viveria em outro lugar. Me levou de carro até um hotel, do outro lado da cidade. Mãe Vivi era a proprietária. Eu não sabia, mas Márcia, minha mãe, estava chorando. Chorou o dia inteiro, nunca na minha frente. Me deixou uma carta. “Parece que foi ontem que lhe encontrei, você me olhou e eu lhe amparei. Da sua tristeza nossa alegria nasceu. Da sua presença nova vida me deu. Eu me lembro de como nós brincamos. Também me lembro de quando chovia, do calor da chama que nos aquecia. Agora vejo que ficamos sós. É triste a despedida. Adeus parece o fim. Mas guardarei pra sempre você em meu coração”. Mãe Vivi me contou que é minha madrinha. Também disse que eu apareci em seu hotel mas não podia ficar lá porque lá nenhuma menina pode Ter filhos e foi assim que ela conheceu minha mãe, precisa de um lugar para o bebê. Estava com medo, estava sozinho.
O hotel era bem legal. Haviam muitas meninas por lá e a noite muitas pessoas apareceram e começaram a beber. Era bem bacana. Por algum motivo nenhuma das moradoras falavam comigo e eu também não me interessava por nenhuma delas. Haviam alguns homens mas também não perderia meu tempo com eles.
-Amber, querida, aquele é o Bruno, disse Mamãe Vivi.
-Aaah, ele parece tão... não sei... desanimado... Mamãe Vivi.
-Ora, ele não tem culpa querida, ele foi jogado aqui e está sem ninguém no mundo.
-Talvez eu possa fazer alguma coisa, entende? Anima-lo?
-Querida, acaba de dizer as palavras mágicas! Era isso que eu pensava.  Então Mãe Vivi cochicha algo no ouvido de Amber. Amber ri sem parar.
-O QUE? Mas Mamãe Vivi, eu não sei....
-Querida, não se arrume, você está uma beleza.
Mãe Vivi vem conversar comigo. – A noite passada foi bem ruim para você, não foi? Anime-se e olhe em volta! Amber, querida, venha aqui, preciso te apresentar meu afilhado.
Olhei. Veio uma garota. Tinha a minha idade no rosto, mas me disse que estava com 23 anos. Eu tinha 16 ainda. Era muito bonita. Era diferente. Era meu tipo.
-Oi, meu nome é Amber.
-Bruno.
-Acho que é um bonito nome... Amber riu. -Bruno.... Suspirou. -Bruno, aqui no bar tem várias bebidas, será que você poderia pegar uma?
–Uma o que?
-Uma bebida.
Algo nela combinava comigo. Eu não sou viado. Não gosto de pinto, mas também não gosto de xoxota. Mas ela sabia o que fazer pra me excitar. Acho que tinhamos química. Mãe Vivi nos deu um quarto. –Vocês podem viver aqui, queridos. Agradeci. Tive que parar a escola desde que tentaram me assassinar por eu ser, ironicamente, viado. Não tinha mais o que fazer. Tinha dinheiro, comida e um colchão de água. Agora tinha Amber também. Amber quer filhos.
V

-Felipe, você tem que matar aquele viado, olha o que ele fez com seu irmão. Ele mora naquela porra daquele motel cheio de puta. Eu descobri.
-Como?
-A gente vai lá hoje de manhã. A gente põe gasolina no quarto e joga fogo.

VI

Estava dormindo com Amber e quando acordei o quarto estava pegando fogo. Tinha um velho doido gritando. Felipe estava lá também. Estava gritando também. Saímos do quarto correndo.
-Amber, nao dá pra explicar mas a gente tem que correr, pra caralho.
-Tá.
O velho gritando era o pai de Felipe. Atirou na gente. Puta que o pariu. –Amber, se esconde, liga pra polícia. Continuei correndo e eles me seguiram. Felipe me alcançou. A gente brigou mas ele é muito forte. Ele podia me arregaçar inteiro. Não sei se ele estava brigando de verdade. Eu tinha um corpo bom. Talvez ele estivesse cansado porque não ganhou de mim. Empatamos. Consegui fugir. Felipe estava chorando. O pai dele apareceu, estava atrás, correndo. Subi o morro, ele não ia ter fôlego pra me alcançar. Ele caiu. Eu ri. Fui subindo e Felipe estava atrás, acho que pensou que eu tinha feito aquilo ao pai dele. Ele pisou errado e torceu o pé. Voltei pra ajuda-lo. Nâo queria que ele caisse morro abaixo e quebrasse o pescoço. Porque dai além de viado e afilhado de cafetina eu seria assassino. Fui ajudar, nessas horas é sempre o pior que acontece. Ele estava do lado de um buraco. Ele podia ter morrido, pra valer. Podia ter caído na merda do buraco ou escorregado da merda do morro. Ele é pesado. Eu sou forte mas ele é pesado. Tirei ele de perto do buraco e eu caí na porra do buraco. Puta que o pariu. O pai dele ta chegando perto. Puta que o pariu. O pai dele vai me dar um tiro sei la por qual motivo. Vou aparecer na reportagem como o viado da cidade que foi assassinado por “hate crime” dentro de um buraco. Puta que o pariu. Felipe me tirou do buraco. O pai dele apareceu. Vou levar um tiro. Felipe me abraçou. Nós dois vamos levar um tiro. Puta que o pariu Felipe. Precisa mesmo me abraçar em frente a um doido homofóbico com uma arma? Pensei. O pai dele começou a chorar. Não levamos o tiro.
    No final as coisas foram acontecendo. Perdi um ano do colégio mas ganhei uma vida. Conheci pessoas. Sobrevivi. A gente não tem idéia do número de situações perigosas que a gente sobrevive sem saber. Sempre tem um doido que vai querer te matar por nenhuma razão. Jimmy, o viado, virou mulher. Apareceu na rua com peitos novos. Os garotos mais velhos ficaram chocados. Ele ta muito gostosa. Mulher nenhuma é assim. Ele é rico, pagou plasticas. Amber quer filhos.

Inspirado no livro de Daniel P. Mannix, nos dialógos da Disney e nas histórias de Charles Bukowski.

A história de um preconceito.