quinta-feira, 21 de março de 2013

“Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” (2004) de Carlos Fico - Análise



“Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” (2004) de Carlos Fico - Análise

    Carlos Fico apresenta “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” com uma justificativa do tema levando em consideração as comemorações recentes de períodos históricos de importância para a política nacional, decisivos ou não gratos. O autor considera também que o interesse crescente pelo período é diretamente proporcional ao desprendimento político que o distanciamento histórico possibilitou¹, o que trás novas discussões não permeadas por tabus ideológicos como por exemplo a afirmação sobre o pequeno apreço da democracia pelos atores históricos e a quebra do mito do presidente reformista João Goulart. Dessa forma, clichês sobre o golpe de 64 começam a ser abandonados em razão da nova fase de produção histórica sobre o período.
    A literatura sobre o golpe e o regime que o sucederia é marcada por dois grandes gêneros: o primeiro visava explicar e classificar as crises militares. O segundo seguiu uma vertente memorialística que foi responsável pelo primeiro conjunto de versões sobre a ditadura militar. É com a memorialística que uma série de controvérsias envolvendo as verdades históricas aceitas começam a entrar em discussão. O perfil de Castelo Branco, considerado legalista e moderado, torna-se sob a nova ótica apenas mais uma aparência derivada da benevolência dos biógrafos² e, ao contrário, sua imagem “real” surge representada por um ator que agiu conforme as conjunturas políticas e que “foi complacente com as arbitrariedades da linha dura, não teve forças para enfrenta-la e permitiu, assim, que o grupo de pressão fosse conquistando, paulatinamente, mais espaço e poder” (FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 33), ou seja, Castelo Branco possui um perfil bem mais omisso que o clichê histórico moderado. Além disso, ele também foi responsável por sancionar e estabelecer diversos veículos censores iniciais, sendo assim, estas novas informações evidenciam que o projeto repressivo baseado numa “operação limpeza violenta e longeva estava presente desde os primeiros momentos do golpe. Isto significa que o AI – 5 foi nada mais que o amadurecimento e um processo que se iniciara muito antes³.
    A crença na “utopia autoritária” empolgava de maneira diferente os diversos grupos militares e segundo estas pesquisas foram poucos os militares e civis envolvidos diretamente em tortura e assassinato político, o que não pretende minimizar o envolvimento dos militares na repressão, mas sim refinar a análise histórica4. O posicionamento dos militares em relação à repressão violenta é um dos aspectos mais importantes dos estudos do período. A tese de que os excessos foram praticados por subalternos sem a aprovação dos oficiais chegou a ser admitida, porém ela não se sustenta para o período posterior do AI – 2 de Castelo Branco, sobretudo após a implantação do Sistema Codi-Doi (1969 em diante), que era um complexo organismo político que mesclava polícia civil, militar, bombeiros, etc e que foi responsável pelos principais episódios de tortura aceitos pelos comandantes e governos militares como uma necessidade conjuntural5.
    É necessário destacar que o anseio punitivo da linha dura não surgiu repentinamente em 1968, como uma reação a “luta armada”, esquerdista de fato, a partir do AI – 5, as diversas instâncias repressivas já existentes passaram a agir segundo o ethos da comunidade de segurança.
    A produção recente do tema abandona explicações fundadas em conceitos como classe social e estrutura econômica, buscando no lugar uma estratégia cognitiva do indivíduo e seu cotidiano. As principais teses explicativas do golpe de 1964 seguem três correntes: teorização da Ciência Política, análises marxistas e valorização do papel dos militares. Alfred Stepan, cientista político, considera que as razões para o golpe encontram-se na inabilidade de Goulart em “reequilibrar o sistema político”. Até 1964, os militares apenas transferiam o governo civil para outro grupo de políticos, ou seja, os militares tinham um caráter moderador.
"A situação brasileira certamente requeria uma liderança hábil e um estadista capaz."
Em 1964, diferentemente, os militares sentiram-se em condições estruturais para a tomada e poder na transição do governo civil falho, governo que poderia colocar em risco a própria hierarquia militar. A medida, para o autor, foi de certa maneira preventiva, porque Goulart poderia dar um golpe com os comunistas e criar exércitos populares de suboficiais. A tese de Stepan, porém, é problemática quando coloca a participação militar como uma “variável dependente” do sistema político global e sua análise da ideologia militar do período é superficial. Wanderley Guilherme dos Santos faz outra análise elaborando um modelo teórico que leva em conta a instabilidade governamental do período, utilizando o número de ministros e chefes de empresas estatais demitidos e a polarização do governo em grupos radicalizados, ao invés de um perfil conciliatório e moderado do legislativo. Argelina Figueiredo, de outra forma, atribuiu grande importância à recusa de determinismos para o golpe, como fenômenos econômicos e políticos que levariam a inevitabilidade da crise. Recusa também a centralidade do papel da burguesia conspiratória, pois a existência de uma conspiração não é condição para um golpe. Argelina deixa clara a existência de opções abertas de ação política. A análise marxista por outro lado, de Jacob Gorender, funda a explicação da crise nos interesses da burguesia industrial, que alterou a estrutura política de acordo com a necessidade de classe, em uma reforma moderadora, defendendo-se também da ameaça de uma reforma de base. Segundo Dreifuss, foi preciso construir uma rede de apoio desses grupos privados com as forças armadas em uma conspiração política, ou seja, um movimento civil-militar. Se a preparação do golpe foi uma parceria, o golpe em si foi claramente militar. Glaucio Ary S. faz uma crítica ao economicismo do pensamento político através da coleta de depoimentos dos militares. Enfatiza que “o golpe foi uma conspiração dos militares com o apoio dos grupos econômicos e não uma conspiração dos grupos econômicos com o apoio dos militares” (FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 53).
    As causas para o golpe de 1964 são, dessa forma, resultado de diversas situações e crises sucessivas, com causas múltiplas, acordos e receios de diferentes atores políticos com interesses próprios em uma complexa rede de interferência.

Bibliografia
1. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 30.
2. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 32.
3. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 34.
4. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág 34.
5. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 35.
(FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 33)
(FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 53)

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