“Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” (2004) de Carlos Fico - Análise
Carlos Fico apresenta “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar” com uma justificativa do tema levando em consideração as comemorações recentes de períodos históricos de importância para a política nacional, decisivos ou não gratos. O autor considera também que o interesse crescente pelo período é diretamente proporcional ao desprendimento político que o distanciamento histórico possibilitou¹, o que trás novas discussões não permeadas por tabus ideológicos como por exemplo a afirmação sobre o pequeno apreço da democracia pelos atores históricos e a quebra do mito do presidente reformista João Goulart. Dessa forma, clichês sobre o golpe de 64 começam a ser abandonados em razão da nova fase de produção histórica sobre o período.
A literatura sobre o golpe e o regime que o sucederia é marcada por dois grandes gêneros: o primeiro visava explicar e classificar as crises militares. O segundo seguiu uma vertente memorialística que foi responsável pelo primeiro conjunto de versões sobre a ditadura militar. É com a memorialística que uma série de controvérsias envolvendo as verdades históricas aceitas começam a entrar em discussão. O perfil de Castelo Branco, considerado legalista e moderado, torna-se sob a nova ótica apenas mais uma aparência derivada da benevolência dos biógrafos² e, ao contrário, sua imagem “real” surge representada por um ator que agiu conforme as conjunturas políticas e que “foi complacente com as arbitrariedades da linha dura, não teve forças para enfrenta-la e permitiu, assim, que o grupo de pressão fosse conquistando, paulatinamente, mais espaço e poder” (FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 33), ou seja, Castelo Branco possui um perfil bem mais omisso que o clichê histórico moderado. Além disso, ele também foi responsável por sancionar e estabelecer diversos veículos censores iniciais, sendo assim, estas novas informações evidenciam que o projeto repressivo baseado numa “operação limpeza violenta e longeva estava presente desde os primeiros momentos do golpe. Isto significa que o AI – 5 foi nada mais que o amadurecimento e um processo que se iniciara muito antes³.
A crença na “utopia autoritária” empolgava de maneira diferente os diversos grupos militares e segundo estas pesquisas foram poucos os militares e civis envolvidos diretamente em tortura e assassinato político, o que não pretende minimizar o envolvimento dos militares na repressão, mas sim refinar a análise histórica4. O posicionamento dos militares em relação à repressão violenta é um dos aspectos mais importantes dos estudos do período. A tese de que os excessos foram praticados por subalternos sem a aprovação dos oficiais chegou a ser admitida, porém ela não se sustenta para o período posterior do AI – 2 de Castelo Branco, sobretudo após a implantação do Sistema Codi-Doi (1969 em diante), que era um complexo organismo político que mesclava polícia civil, militar, bombeiros, etc e que foi responsável pelos principais episódios de tortura aceitos pelos comandantes e governos militares como uma necessidade conjuntural5.
É necessário destacar que o anseio punitivo da linha dura não surgiu repentinamente em 1968, como uma reação a “luta armada”, esquerdista de fato, a partir do AI – 5, as diversas instâncias repressivas já existentes passaram a agir segundo o ethos da comunidade de segurança.
A produção recente do tema abandona explicações fundadas em conceitos como classe social e estrutura econômica, buscando no lugar uma estratégia cognitiva do indivíduo e seu cotidiano. As principais teses explicativas do golpe de 1964 seguem três correntes: teorização da Ciência Política, análises marxistas e valorização do papel dos militares. Alfred Stepan, cientista político, considera que as razões para o golpe encontram-se na inabilidade de Goulart em “reequilibrar o sistema político”. Até 1964, os militares apenas transferiam o governo civil para outro grupo de políticos, ou seja, os militares tinham um caráter moderador.
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"A situação brasileira certamente requeria uma liderança hábil e um estadista capaz." |
As causas para o golpe de 1964 são, dessa forma, resultado de diversas situações e crises sucessivas, com causas múltiplas, acordos e receios de diferentes atores políticos com interesses próprios em uma complexa rede de interferência.
Bibliografia
1. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 30.
2. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 32.
3. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 34.
4. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág 34.
5. FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 35.
(FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 33)
(FICO, Carlos. 2004. “Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 24, n. 47, pág. 53)
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