domingo, 2 de junho de 2013

O Problema da Governabilidade

Esse ensaio não é totalmente acurado e responde a uma questão do semestre de Política III. Garantiu minha passagem novamente sem DP.


O Problema da Governabilidade na abertura democrática



.         A chamada “Constituição Cidadã” ou a "Nova Constituição de 1988", que garantia direitos de liberdade, participação política e acesso ao bem-estar social, foi desde seu início motivo de controvérsias. Acusada como obstáculo da governabilidade e modernização nacional, “assegurou avanços na ordem social ao mesmo tempo que foi refratária a reformas econômicas e pareceu provisória ou incompleta no que diz respeito ao arcabouço político institucional. [ARANTES, Rogério e COUTO, Cláudio. “Uma Constituição Incomum”. In: ARAUJO, Cícero; CARVALHO, M. A. R. e Simões, J. (orgs.). 2010. A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo: Hucitec. pp22]. Durante o Governo Collor, tentou-se reformas no campo constitucional visando a contenção da crise econômica, sem sucesso. Uma das explicações consideradas para a crise de governabilidade do período foi a relação presidencialista que aliada ao modelo de sistema eleitoral e partidário criou o chamado “presidencialistmo de coalização” que obrigatoriamente exigia acordos multipartidários do executivo e do legislativo. Sarney e FHC também expressaram críticas em relação a constituição de 1988 e FHC buscou mudanças para dar dinamismo à economia mesmo sob críticas da oposição. Lula, o partido oposicionista e sucessor, apesar do passado de oposição radical as mudanças, continuou as reformas necessárias para um bom governo. Segundo Rogerio Arantes e Claudio Couto em “Uma Constituição Incomum”, o pragmatismo da constituição de 1988 restringiu o campo decisório aberto ao legislador ordinário e obrigou os sucessivos governos a recorrerem ao emendamento constitucional como forma de implementar sua agenda e evitar invalidação pelo judicionário em razão de uma possível inconstitucionalidade dessas políticas. A ausência de referências à Constituição pelo governo petista é condizente com sua postura oposicionista anterior, “mas constrata com a quantidade de emendas constitucionais aprovadas durante a gestão” [ARANTES, Rogério e COUTO, Cláudio. “Uma Constituição Incomum”. In: ARAUJO, Cícero; CARVALHO, M. A. R. e Simões, J. (orgs.). 2010. A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo: Hucitec. pp35]
.         Conforme análises, a crise governamental do primeiro período democrático, principalmente nos momentos finais antes de 1964, tem sua razão na disputa entre os poderes legislativos e executivos, vetando decisões do executivo e isolando-o. Fenômeno similar ocorreu durante o governo Collor, no segundo período democrático. A diferença é que após o período da ditadura civil-militar, o executivo manteve poder decisório superior ao período democrático anterior e mesmo no período Collor, realizando-se a partir de um governo isolado, o número de medidas legislativas aprovadas pelo governo foi superior a qualquer situação do momento democrático anterior. Outro ponto apontado na explicação da  não governabilidade e crise, além dos fatores econômicos e inflacionários, é a crescente fragmentação partidária pós binômio-partidário do período imposto na ditadura. O Presidenciacialismo de Coalização e a necessidade dos 3/5 dos votos nas duas Casas do Congresso criam a necessidade governamental do compromisso partidário e a crescente necessidade das alterações constitucionais criadas de cima para baixo. Além disso, segundo os autores, o fato de “quase 1/3 da Constituição de 1988 ser formada por Policies constitucionalizadas” repercute fortemente sobre as agendas governamentais e abre a possibilidade da discussão da inconstitucionalidade das mudanças constitucionais, acirrando o jogo partidário.
.         A constituição anterior, fortemente influenciada pelo Estado Novo, criava questões de reivindicação  participativa, cidadania e direitos sociais que no contexto do período posterior a Segunda Guerra Mundial aumentava o desconforto político ideológico dos grandes atores políticos e germinava aos poucos a necessidade do golpe sob a ótica dos interessados e do aumento da instabilidade institucional. A Constituição atual, apesar de todos os fatores envolvidos, da sua grave crise econômica, hiperinflação, altas taxas de desemprego, fragmentação partidária, etc, conseguiu manter a ordem constitucional inalterada, ou seja, revela uma maior aceitação da e consolidação das regras democráticas [KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19. pp26]. De qualquer forma, mesmo com a restrição de participação política durante o período ditatorial, a simples manutenção da existência de partidos e eleições criou condições para o processo democrático e futura transição.
.         A consequente fragmentação partidária após o período de bi-partidariamo militar em consonância com a fragmentação social brasileira não impediu no pensamento de muitos autores na conservação do sistema democrático. Levando em consideração todas as controvérsias, o problema maior não está na fragmentação política, mas sim na pouca inteligibilidade do processo eleitoral. [KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19. pp28], uma vez que no caso brasileiro, os partidos como organizções distintas não possuem contornos definidos, o que quer dizer, o jogo eleitoral possibilita coligações de partidos que deveriam, hipoteticamente, possuir valores ideológicos e políticos diferentes mas que na prática tendem ao centro-esquerdismo-direita.
.         O brasil atual, refletindo a alternância democrática, trouxe ao poder o tradicional Partido dos Trabalhadores, que de origens radicais e oposicionistas tambem aproximou-se desse posicionamento político de centro, o que criou cisões internas e maior possibilidade de apoio partidário, em situações até impensadas anteriormente, como o apoio de Paulo Maluf ao PT. “Assim, o que parecia a emergência de um novo alinhamento governo/oposição– assumindo o poder aqueles que dele estavam alijados – tornou-se uma situação sem contornos nítidos, em que partidos ligados ao governo anterior passaram a integrar a nova coalizão, e antigos adversários ideológicos passaram a compartilhar o mesmo bloco.” [KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19. pp35]. Fato que trás questionamentos às críticas de ingovernabilidade do Presidencialismo de Coalização e fragmentação partidária como fator obstáculo a consolidação democrática.
.         Segundo Lamounier em “Estrutura institucional e governabilidade na Década de 1990”, a constituição atual, de 1988, tem como base uma tríplice vertente ideológica. A primeira é baseada no corporativismo inicial do período Vargas e a modernização do trabalho como terceira via ao socialismo e capitalismo, o segundo ponto é baseado no aspecto consoativo da Polity nacional, ou seja, apesar da necessidade de dominação majoritária nas decisões legislativas e existência da representação partidária e consequente fragmentação baseada na própria existência de diversos interesses sociais e, em contrapartida, levando em consideração a hipertrofia do executivo pós-ditadura, o modelo brasileiro apresenta-se então não como um sistema de representação majoritária nas decisões da agenda política, mas ao contrário, como um bloqueio dessa situação majoritária, sendo assim “nosso subsistema partidário-parlamentar evoluiu, desde a década de 1930, muito mais no sentido de institucionalizar bloqueios do que no de facilitar a agregação de interesses e a implementação de uma vontade majoritária” [LAMOUNIER, Bolívar. 1992. “Estrutura institucional e governabilidade na década de 90”. In: REIS VELLOSO, João Paulo dos (org.). O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: José Olympio. pp27]. Criando em alguns momentos um verdadeiro impasse de paralização governamental. O terceiro ponto surge na própria figura do presidente como centralizador de poder e a estimulação do pluralismo no subsistema representativo. As reformas na década de 1980  levaram as últimas consequências esse modelo anterior consoativo de democracia. A não inclusão do sistema de lista bloqueada na escolha eleitoral nos anos de 1940 e a imposição do bi-partidarismo num sistema multipartidarista em 1964, além dos crescentes avanços sociais e corporativistas, trouxeram os meios, na abertura democratica, para o surgimento da democracia consoativa em sua perfeição, ou seja, a coexistência entre múltiplas fragilidades e a possibilidade da existência de um executivo isolado da maioria partidária fragmentada. [LAMOUNIER, Bolívar. 1992. “Estrutura institucional e governabilidade na década de 90”. In: REIS VELLOSO, João Paulo dos (org.). O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: José Olympio. pp38]
.         A suposta crise governamental é resultado das sucessivas problemáticas da economia nacional e pela paralisação decisória resultado da alta fragmentação partidária surgida na escolha das eleições de lista aberta e do regime presidencialista com forte centralização do poder, porém ambos os períodos democráticos apresentam diferenças na forma de condução do executivo e sua relação com as decisões da agenda governamental, como argumentado na crítica realizada por Argelina e Limongi, contrariando as demais argumentações sobre a crise de governabilidade. “Essas diferenças não são previstas pela argumentação institucionalista antes revista. Na verdade apontam em direção oposta. As taxas de sucesso e a predominância do Executivo na produção legislativa aumentaram acentuadamente no atual regime. Enquanto o Executivo aprovou 29,5% dos projetos de lei que enviou ao Congresso no período de 1946-64, depois da Constituição de 1988 a taxa de sucesso chega a 72,7%. Da mesma forma, a predominância do Executivo na produção legislativa aumentou de 38,5%  para 86%. [FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV. pp250]. O padrão das coalizações partidárias também esta mais consistente no segundo período democrático o que diferentemente do argumentado garante maior coesão partidária quanto em relação ao apoio governamental. A Constituição de 1988 também alterou o equilíbrio de forças entre o Legislativo e o Executivo, em comparação com a constituição de 1946, ou seja, a nova constituição é baseada num presidencialismo mais forte em herança do período militar. Um presidencialismo forte, ao contrário também do que é em geral argumentado, não se baseia em um poder executivo exercido de cima a baixo, impondo sua vontade ao legislativo. Baseia-se na cooperação do Presidente com as coalizações no Legislativo. Os mecanismos de veto, portanto, não servem como explicação ao (possivelmente mal) funcionamento do governo nos dois períodos democráticos pois é necessário levar em consideração outros ponto como as  mudanças do papel legislador do Congresso e hipertrofia do Executivo que, como argumentado, manteve  todos os poderes de legislar introduzidos pelos governos militares nessa nova Constituição. No período de 1946, o presidente possuia apenas um desses poderes: a iniciativa em questões administrativas em claro contraste com a situação atual onde o executivo tem amplos poderes de gerenciar a agenda legislativa. Um dos instrumentos mais poderosos à disposição do Executivo é a chamada “medida provisória” entrando em vigor imediatamente após sua promulgação.
A medida provisória tem 30 dias para votação no Congresso e se não for aprovada perde seu efeito legal, porém até setembro de 2001 tais medidas poderiam ser reeditadas indefinidamente. Como o regime brasileiro é considerado como um Presidencialismo de coalizão e busca apoio partidário, tais medidas provisórias tendem a receber apoio do Legislativo e, novamente, em todos os ambitos legislativos importantes. Porque se em 1946 o Executivo poderia iniciar apenas projetos administrativos, a nova constituição permite ao Presidente iniciar também projetos orçamentários, sobre impostos, medidas provisórias, emendas constitucionais e etc, com a vantagem de possuir o apoio das coalizões em poder. A medida provisória funciona na análise como uma “barganha” entre o governo e a maioria que lhe da apoio do que como uma ferramenta de resolução de conflitos com o legislativo. Ao contrário, esse mecanismo institucional garante a maioria governista uma situação favorável em relação a minoria oposicionista.
.         O próprio Congresso apresenta diferanças entre os dois períodos democráticos. Atualmente ele é altamente centralizado e depende dos líderes partidários. O presidente da Câmara e os Líderes partidários determinam a pauta legislativa, controlam todo o processo legislativo, podem obstruir a votação das medidas provisórias e são responsáveis pela designação e substituição de membros das comissões. Também nomeiam os membros das comissões destinadas a analisar as medidas provisórias e orçamentárias. Estas comissões não existiam no primeiro período democrático. Além disso, esses líderes podem representar as bancadas do partido, dessa forma acabam por decidir os procedimentos de convocação, emendas e urgência. Podem também retirar projetos de lei das comissões por meio de procedimentos de urgência e levar diretamente ao plenário. 
.         Outra importante questão é que os dois períodos democráticos diferem amplamente no sucesso da aprovação de projetos com Legislativo e na forma como esses projetos de lei são produzidos. No primeiro período democrático, analisando o processo de todos os presidentes, é aparente uma variação nos resultados legislativos, enquanto no segundo momento democrático os resultados legislativos mostraram-se mais estáveis [FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV. pp257]. A aprovação do orçamento anual também reflete as transformações entre os dois períodos. Em 1946 as leis orçamentárias eram proporcionais ao Executivo e ao Legislativo, enquanto na atual democracia, tais leis são predominantemente Executivas. O presidente mais bem sucedido do primeiro período democrático, Getúlio Vargas, aprovou menos de 50% de seus projetos de lei, enquanto que no segundo período democrático a taxa geral de aprovação ficou em tornou de 72,7% e somente Collor ficou abaixo dessa marca (Levando em consideração seu pouco apoio partidário e hiperinflação), ou seja, fica claro que o poder do executivo pode neutralizar os efeitos centrífugos da separação de poderes, mas se torna ainda mais eficaz se possuir o apoio partidário.
.         A utilização de medidas provisórias foi uma constante nos governos pós Constituição de 1988 e poucas medidas provisórias foram rejeitas pelo Congresso. No governo FHC e em razão das contantes reedições das MP, torna marcante o contraste das medidas reeditadas que foram incorporadas como modificações no texto original. Apesar disso, o uso constante de MP não baseou-se numa estratégia do governo para evitar a oposição. O número crescente de MP reeditadas foi concomitante com uma postura menos oposicionista  e menos ativa do Congresso. O presidente pode evitar que o MP entre em votação reeditando-a mas caso a maioria do Congresso seja contra, o Executivo não poderá impedir que a votação ocorra. O que quer dizer que as reedições do segundo período democrático podem contar com a maioria no Congresso e o Executivo não pode governar sem este apoio. A questão Collor reflete essa situação, pois não há estabilidade institucional quando a governabilidade é derivada do apoio de bases clientelistas que não o apoiam, ou seja, a estabilidade das decisões políticas necessita da negociação com a maioria em coalizão. “Portanto, e em desacordo com as suposições de grande parte da literatura, para governar os presidentes precisam formar coalizões. Como mostra Amorim Neto, eles de fato formaram gabinetes de coalizão majoritária com a participação formal de partidos políticos. [FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV. pp271].


Bibliográfia utilizada:

LAMOUNIER, Bolívar. 1992. “Estrutura institucional e governabilidade na década de 90”. In: REIS VELLOSO, João Paulo dos (org.). O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: José Olympio.

ARANTES, Rogério e COUTO, Cláudio. “Uma Constituição Incomum”. In: ARAUJO, Cícero; CARVALHO, M. A. R. e Simões, J. (orgs.). 2010. A Constituição de 1988: Passado e Futuro. São Paulo: Hucitec.

ABRANCHES, Sérgio. 1988. “Presidencialismo de Coalizão: o Dilema Institucional Brasileiro”. In: Dados, vol. 31, nº 1, págs. 5 a 34.

LIMONGI, Fernando. 2006. “A democracia no Brasil: Presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório.”Novos Estudos, nº 76, novembro 2006, págs. 17 a 41.

FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. 2006. “Poder de Agenda na democracia brasileira: desempenho do governo no presidencialismo multipartidário.” In: SOARES, Gláucio A.D.; RENNÓ, Lucio R. Reforma Política. Lições da História Recente. Rio de Janeiro: Ed. FGV, págs. 249 a 280.

KINZO, Maria D´Alva. 2004. “Partidos, eleições e democracia no Brasil Pós-1985”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 54, vol. 19.