sábado, 19 de janeiro de 2013

Poema do Dinheiro - Money Poem - Poème d'argent

Vontade de comprar um vestido de gala, caro.
Comprar uma maquiagem, barata.
Sair. De graça.
Borrar toda minha cara:
chorando, bebendo,
beijando e fumando.

***

Voulez d'acheter une robe de gala, bien cher.
Acheter un maquillage, pas cher.
Sortir. Gratuit.
Effacer tout mon visage:
pleurer, boire,
embrasser et fumer.

***

Willing to buy a gala dress, expensive as shit.
Buy a makeup, so cheap.
Get out. For free.
Mess up all my face:
crying, drinking,
kissing and smoking.

sábado, 5 de janeiro de 2013

O Nadador e o Lutador - baseado em The Fox and The Hound de Daniel P. Mannix e inspirado por Charles Bukowski


I

Não sei direito por onde começar minha história, acho que ninguém sabe. Minha mãe me contou que antes de mim ela era bem sozinha. Eu também cresci sozinho. O bairro onde eu vivia não tinha gente da minha idade. Cresci vendo dois garotos mais velhos batendo em um outro da casa ao lado. Eram os únicos garotos da região. Nunca conversaram comigo, sempre me mandavam embora. A mãe deles, todos chamavam de Mãe Vivi, estava sempre pintada e com muitas jóias. Minha mãe nunca se pintou e tinha as unhas curtas. Ela parecia incomodada quando tinha que lidar com a Mãe Vivi. Mãe Vivi sempre ficava feliz ao me ver. Nunca entendi. Nunca me contaram quem era ela. Fui crescendo assim, vendo os garotos mais velhos brigando. Sendo chutado. Nunca tive amigos na escola. Quando eu estava com uns 14 anos apareceu um menino novo na rua. Era meu vizinho. Ele, ao contrário de mim, não tinha mãe, só um pai. Tinha um irmão também. Uma vez ele veio falar comigo.
-Oi, o que você esta fazendo?
-Não sei.
-Quer fazer alguma coisa?
-Sim.
-Qual é seu nome?
-Bruno.
-O meu é Felipe.
Depois desse dia passamos a brincar juntos. Ele sempre tinha que voltar mais cedo. Minha mãe nunca ligou, ela sempre trabalhou. Um dia estavamos cansados de brincar pelo bairro e Felipe disse que seu pai não estava em casa. Fomos até lá. Ficamos no quarto dele. Quando anoiteceu voltei pra casa. No outro dia ele dormiu na minha casa. Também teve que ir embora mais cedo, quando ficou de noite. Minha mãe ficou feliz por eu ter um amigo. Fizemos isso por um bom tempo. Era legal ter alguém pra brincar. Um dia estava dormindo na casa dele e o pai dele apareceu. Bateu na porta do quarto. Parecia irritado.
-Que porra é essa? Viado do caralho. Vou te matar seu filho da puta, eu sabia!
O pai e o irmão bateram no Felipe, me puxaram e eu não sabia o que fazer. O pai dele pediu que o irmão me segurasse. Consegui me soltar. Ficaram gritando que eu ia morrer. Consegui fugir e sai correndo. Voltei pra casa e chorei.
Mãe Vivi olhava tudo pela janela. Ela sabia o que estava acontecendo. Viveu muito. Ela conhece coisas. Sabia mais que os próprios garotos. Os garotos nem tinham idéia. Ninguém explicou pra eles o que era certo e o que era errado. –Deus, não sei por que o mundo tem que interferir, seria melhor que os deixassem sorrir. Pensava sozinha em seu quarto. -Quem sai do convencional já não é mais normal... Não sabem talvez que o mundo pertence a vocês. Mãe Vivi sabia das coisas. É por isso que tinha dinheiro.
No mesmo dia o pai de Felipe bateu na porta de casa. Queria falar com a minha mãe. O irmão de Felipe estava lá também e me fazia sinais de ameaça.
–Seu filho estava la em casa fazendo SABE O QUE? SABE QUE PORRA ELE FEZ? SABE O QUE ELES FICAM FAZENDO ENQUANTO A GENTE TRABALHA? SEU MARIDO SABE?
A mãe de Bruno não sabia. A mãe de Bruno não tinha marido.Não tinha idéia de quem era aquele sujeito, porque ele estava gritando ou o que deveria fazer. Mandou Bruno entrar no quarto... Fingiu estar furiosa porque é isso que mães fazem nessa situação ou seria melhor ficar chocada? Márcia não sabia o que fazer. Estava adorando a situação. Bruno não conseguiu mais ouvir a conversa. Agora a mãe de Bruno sabia o que tinha acontecido e lembrou que os pais dela disseram que isso está errado. Então isso estava errado. Deixou Bruno de castigo mas nunca explicou os motivos.  Bruno não entendeu.

II

No dia seguinte Felipe foi obrigado a fazer as malas. Não sabia porque estavam todos tão irritados com ele. Ninguém explicou. Felipe não entendeu. Entraram no carro. Foram embora. Bruno viu tudo pela janela. Eram vizinhos. Felipe também viu Bruno, tentou acenar. Levou um tapa de seu irmão. Bruno estava sozinho novamente. Não estava mais de castigo mas agora estava sozinho. Passou em frente a casa de Felipe e viu tudo apagado. Mãe Vivi estava passando na rua. Casaco de pele e jóias. Maquiada. Bebia uma garrafa de algum tipo de refrigerante amarelado sem gás chamado Whisky. –Não beba. Beber faz mal. Continuou bebendo. Felipe vai voltar, ela contou. Disse a ela que continuariamos sendo amigos para sempre. Ela riu e disse que ele voltaria diferente. Eu disse que isso não aconteceria, que ele nunca iria mudar. –Espero que esteja certo mas, querido, para sempre é muito tempo e o tempo tem um jeito de mudar as coisas. –Quando Felipe voltar ele vai ser outra pessoa, vão ensinar pra ele como ele tem que ser.
O tempo passou, minha mãe me colocou no clube de natação. Eu me esforçava mas nunca fui o melhor. Estava crescendo. Diziam na escola que eu era bonito. Eu tinha um corpo “bom” também. Os garotos mais velhos tiravam onda comigo, acho que eu tinha roupas bonitas também, mas nunca me bateram, como faziam com o Jimmy. Eu era forte. Mãe Vivi sempre me elogiava. Essa mulher nunca ficava velha. Era sempre velha mas nunca ficava velha. Devia ser a máscara de puta que ela desenhava na propria cara. Agora eu estava com 16 anos. Os garotos mais velhos continuavam sendo os garotos mais velhos. Continuavam batendo em Jimmy, o outro garoto. Agora sei quem é Jimmy. Ele é rico. Ninguém gosta dele porque ele é rico. Ele é viado também, dizem. “Ele é viado”. Ser viado deve ser profissão porque falam como se fosse alguma coisa. É como puta. É como nadador, que é o que eu sou, ou funcionária pública, que é o que minha mãe é. São coisas que as pessoas fazem por algum motivo e alguém vai gostar ou vai te odiar por isso. Um dia eu estava voltando pra casa e vi que as luzes da casa de Felipe estavam ligadas denovo. Mãe Vivi estava comigo, de passagem na rua. Olha Mãe Vivi, acho que o Felipe voltou. –Porra, ele ta enorme!
-hahahaha e olhe só o jeito dele, fiquei sabendo que ele faz algum tipo de luta agora.
-Eu sei Mãe Vivi, ele ta diferente.
-Tem razão, e você faz natação, não vai ter o que conversar com ele.
-Bah, isso não faz diferença. Ele vai ficar feliz em me ver.
-Olha querido, não exagere suas esperanças.
-Não se preocupe, eu terei cuidado, vou lá falar com ele quando ele estiver sozinho. Vou lá à tarde, quando seu pai e seu irmão estão fora.
       Felipe. Brincavamos juntos antes. Um dia tentaram me bater por causa disso. Acho que a gente era “viado” naquela época. Jimmy, o viado, era realmente rico. Um dia ouvi os garotos mais velhos reclamando que ele tinha conforto enquanto eles eram uns fodidos. Eu também tinha conforto, mas não era rico. Não era viado também. Nunca gostei de pintos. Nunca pensei em pintos.
Um dia eu passava pela rua e encontrei Felipe arrumando alguma coisa em seu quintal. Ele não falou comigo mas eu tinha certeza que era ele. Acenei. – Sou eu, Bruno. Ele veio falar comigo. –Eu sabia que era você Bruno. Vi você chegando.  Poxa, você cresceu pra caralho! Você também cresceu, respondi. –Vi que você voltou com seu pai e seu irmão.
-É bom ver você Bruno.... Por alguns minutos ambos se olharam, queriam se abraçar mas não sabiam como.
-Mas sabe, não é bom você vir até aqui. Vai acabar ferrando a gente.
-Escuta, só queria te ver. Nós ainda somos amigos, não somos?
-Bruno, aqueles dias acabaram. Sou diferente agora. É melhor você ir embora antes que meu irmão te veja.
-Não tenho medo do seu irmão.
-Bruno, eu falo sério.
Antes que Felipe terminasse a frase, Bruno se aproxima e fica com o rosto bem próximo, quase colado. –Você não quer que eu vá embora. Faz 4 anos que não nos vemos. Felipe rouba um beijo. Bruno rouba um beijo. Não sabem porque fizeram isso. Deu vontade. O desejo não tem razão.
A porta da casa se abre e sai o irmão de Felipe. –Pai, pega a porra da arma. O pai de Felipe sai da casa com uma arma em mãos. –Eu sabia que isso ia acontecer denovo, vai ser a última vez. –Felipe, vai ficar ai parado? Você não é viado também né? Ta apaixonado? Você tem que ensinar uma lição pra esse muleque te deixar em paz!
Começo a fugir, saio correndo, não é questão de covardia, é alguém nada a ver gritando com uma arma. É você e um doido com uma arma. Consigo me esconder e ouço os dois idiotas gritando e correndo atrás de mim. Felipe me encontra. –Não quero te ver morto. Vai embora!
Eu saio correndo mas o irmão do Felipe aparece em minha direção, corro pra rua e vem um carro. Quando eu olho pra trás vejo o irmão de felipe sangrando na rua. Puta que o pariu. Vou matar você, grita Felipe. Puta que o pariu. Minha mãe chega em casa e percebe que eu não estava. Viu pela janela que eu conversava com o Felipe. Viu que nos beijamos. Viu que o irmão dele saiu. Viu que o irmão dele entrou. Viu que o irmão dele saiu com o pai dele e uma arma. Deixou as sacolas de compra cairem no chão e saiu. Onde estão todos? Que barulho foi esse? Viu o acidente. Eu não sei mas não parei de correr. Estava muito longe. Fiquei alguns dias na rua. Tive medo de voltar porque Felipe também queria me matar. Encontrei outros meninos na rua. Faziam programa. Me deram algo pra comer e beber. Me deram algo pra fumar. Me deram uma bala. Me deram um negócio pra cheirar também. Achei um lugar pra ficar. Outro garoto disse que era o ponto dele e me mandou embora. Um velho, gordo, nojento, disse que estava me observando. Disse que eu poderia ficar na casa dele por um tempo se eu quisesse. Eu fui. Achei gentil. Eu precisava de um lugar. Eu precisava esperar pelo menos essa noite passar. Eu dormi na casa desse porco. Acordei com ele se esfregando.
-O QUE É QUE HOUVE? ONDE EU TO!? PORRA.
Voltei pra casa, já era dia e as coisas estavam mais certas.

III

Mãe Vivi chegou em uma de suas filhas e disse que precisava de um favor. As pessoas sempre deviam favores a Mãe Vivi. Disse que tinha um sobrinho pra chegar e que precisava de um favor. Amber adorava Mãe Vivi.
-Querida, meu sobrinho vai se mudar pra cá e eu preciso que você o conheça. Ele é jovem, da sua idade e gostoso.
-Gostoso?
-Sim, ele se chama Bruno. Você vai gostar, é seu tipo.

IV

Mãe Vivi e minha mãe pareciam preocupadas. Minha mãe disse para que eu fizesse as malas. Disse que iam me matar naquele bairro. Disse que me enviaria dinheiro e eu viveria em outro lugar. Me levou de carro até um hotel, do outro lado da cidade. Mãe Vivi era a proprietária. Eu não sabia, mas Márcia, minha mãe, estava chorando. Chorou o dia inteiro, nunca na minha frente. Me deixou uma carta. “Parece que foi ontem que lhe encontrei, você me olhou e eu lhe amparei. Da sua tristeza nossa alegria nasceu. Da sua presença nova vida me deu. Eu me lembro de como nós brincamos. Também me lembro de quando chovia, do calor da chama que nos aquecia. Agora vejo que ficamos sós. É triste a despedida. Adeus parece o fim. Mas guardarei pra sempre você em meu coração”. Mãe Vivi me contou que é minha madrinha. Também disse que eu apareci em seu hotel mas não podia ficar lá porque lá nenhuma menina pode Ter filhos e foi assim que ela conheceu minha mãe, precisa de um lugar para o bebê. Estava com medo, estava sozinho.
O hotel era bem legal. Haviam muitas meninas por lá e a noite muitas pessoas apareceram e começaram a beber. Era bem bacana. Por algum motivo nenhuma das moradoras falavam comigo e eu também não me interessava por nenhuma delas. Haviam alguns homens mas também não perderia meu tempo com eles.
-Amber, querida, aquele é o Bruno, disse Mamãe Vivi.
-Aaah, ele parece tão... não sei... desanimado... Mamãe Vivi.
-Ora, ele não tem culpa querida, ele foi jogado aqui e está sem ninguém no mundo.
-Talvez eu possa fazer alguma coisa, entende? Anima-lo?
-Querida, acaba de dizer as palavras mágicas! Era isso que eu pensava.  Então Mãe Vivi cochicha algo no ouvido de Amber. Amber ri sem parar.
-O QUE? Mas Mamãe Vivi, eu não sei....
-Querida, não se arrume, você está uma beleza.
Mãe Vivi vem conversar comigo. – A noite passada foi bem ruim para você, não foi? Anime-se e olhe em volta! Amber, querida, venha aqui, preciso te apresentar meu afilhado.
Olhei. Veio uma garota. Tinha a minha idade no rosto, mas me disse que estava com 23 anos. Eu tinha 16 ainda. Era muito bonita. Era diferente. Era meu tipo.
-Oi, meu nome é Amber.
-Bruno.
-Acho que é um bonito nome... Amber riu. -Bruno.... Suspirou. -Bruno, aqui no bar tem várias bebidas, será que você poderia pegar uma?
–Uma o que?
-Uma bebida.
Algo nela combinava comigo. Eu não sou viado. Não gosto de pinto, mas também não gosto de xoxota. Mas ela sabia o que fazer pra me excitar. Acho que tinhamos química. Mãe Vivi nos deu um quarto. –Vocês podem viver aqui, queridos. Agradeci. Tive que parar a escola desde que tentaram me assassinar por eu ser, ironicamente, viado. Não tinha mais o que fazer. Tinha dinheiro, comida e um colchão de água. Agora tinha Amber também. Amber quer filhos.
V

-Felipe, você tem que matar aquele viado, olha o que ele fez com seu irmão. Ele mora naquela porra daquele motel cheio de puta. Eu descobri.
-Como?
-A gente vai lá hoje de manhã. A gente põe gasolina no quarto e joga fogo.

VI

Estava dormindo com Amber e quando acordei o quarto estava pegando fogo. Tinha um velho doido gritando. Felipe estava lá também. Estava gritando também. Saímos do quarto correndo.
-Amber, nao dá pra explicar mas a gente tem que correr, pra caralho.
-Tá.
O velho gritando era o pai de Felipe. Atirou na gente. Puta que o pariu. –Amber, se esconde, liga pra polícia. Continuei correndo e eles me seguiram. Felipe me alcançou. A gente brigou mas ele é muito forte. Ele podia me arregaçar inteiro. Não sei se ele estava brigando de verdade. Eu tinha um corpo bom. Talvez ele estivesse cansado porque não ganhou de mim. Empatamos. Consegui fugir. Felipe estava chorando. O pai dele apareceu, estava atrás, correndo. Subi o morro, ele não ia ter fôlego pra me alcançar. Ele caiu. Eu ri. Fui subindo e Felipe estava atrás, acho que pensou que eu tinha feito aquilo ao pai dele. Ele pisou errado e torceu o pé. Voltei pra ajuda-lo. Nâo queria que ele caisse morro abaixo e quebrasse o pescoço. Porque dai além de viado e afilhado de cafetina eu seria assassino. Fui ajudar, nessas horas é sempre o pior que acontece. Ele estava do lado de um buraco. Ele podia ter morrido, pra valer. Podia ter caído na merda do buraco ou escorregado da merda do morro. Ele é pesado. Eu sou forte mas ele é pesado. Tirei ele de perto do buraco e eu caí na porra do buraco. Puta que o pariu. O pai dele ta chegando perto. Puta que o pariu. O pai dele vai me dar um tiro sei la por qual motivo. Vou aparecer na reportagem como o viado da cidade que foi assassinado por “hate crime” dentro de um buraco. Puta que o pariu. Felipe me tirou do buraco. O pai dele apareceu. Vou levar um tiro. Felipe me abraçou. Nós dois vamos levar um tiro. Puta que o pariu Felipe. Precisa mesmo me abraçar em frente a um doido homofóbico com uma arma? Pensei. O pai dele começou a chorar. Não levamos o tiro.
    No final as coisas foram acontecendo. Perdi um ano do colégio mas ganhei uma vida. Conheci pessoas. Sobrevivi. A gente não tem idéia do número de situações perigosas que a gente sobrevive sem saber. Sempre tem um doido que vai querer te matar por nenhuma razão. Jimmy, o viado, virou mulher. Apareceu na rua com peitos novos. Os garotos mais velhos ficaram chocados. Ele ta muito gostosa. Mulher nenhuma é assim. Ele é rico, pagou plasticas. Amber quer filhos.

Inspirado no livro de Daniel P. Mannix, nos dialógos da Disney e nas histórias de Charles Bukowski.

A história de um preconceito.




quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Dissertação filosófica com base no Livro Primeiro: Do Capital, cap. II. – O Dinheiro.

.      O Dinheiro, segundo Marx, é o resultado do processo de circulação na forma M-D-M, porém neste momento, o dinheiro, como relação é ainda apenas o meio de troca, sendo o fim da relação a própria mercadoria. É aí que se dá o ponto inicial do processo onde o dinheiro se transforma de simples meio de troca para senhor da mercadoria, isto é, o dinheiro torna-se o fim da relação, sua meta final, sendo o processo descrito no formato D-M-D. Neste momento a aparência do processo é absurda, pois não se troca dinheiro por dinheiro¹. Na prática, entretanto, percebe-se que o dinheiro trocado por dinheiro não é uma relação de quantidades equitativas e sim uma relação de aumento de valor. Compra-se a mercadoria (e com ela todas as relações sociais embutidas) para revende-la mais caro. Outra definição para o Dinheiro é que este tem seu duplo aspecto como unidade de medida de valor e meio de circulação, pois trata-se de um equivalente geral das mercadorias. Além disso, o dinheiro é também a “encarnação imediata do trabalho geral, ao mesmo tempo que é, por seu conteúdo, “o agregado de todos os trabalhos reais. O dinheiro é a riqueza universal em seu aspecto individual” (MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p135). O dinheiro, como medida de troca geral, é representado universalmente através do ouro e prata que, destruído, e submetido às trocas incessantes e transformações sucessivas, em um momento posterior, transformar-se-á em um símbolo de papel que representa o próprio símbolo do valor.
.      Durante o processo D-M, a compra da mercadoria pode ser realizada antes mesmo do momento da alienação da mesma mercadoria, sendo assim fica claro a diferença dos processos. Quando a mercadoria atinge sua função na troca pelo mediador Dinheiro, esta mercadoria é trocada quando alienada no momento de sua transformação de valor em uso em valor de troca, sendo este o primeiro momento, e a troca o momento posterior, à alienação. Agora, ao contrário, a mercadoria é trocada antes mesmo de sua alienação e antes mesmo até de sua própria reprodução. É o que ocorre, por exemplo, no pagamento antecipado². Não se trata mais da relação de compra e venda de mercadorias, mas da compra e venda sem a presença da mercadoria. Na forma M-D, o dinheiro é apenas a medida de valor entre as mercadorias. Em sua nova aparência, “o dinheiro funciona aqui como meio de compra, embora apenas projete diante de si a sombra de seu futuro modo de ser” (MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p148).
.      O dinheiro se distingue do processo de circulação quando a venda não evolui para a compra, permanecendo sua transformação ainda como mercadoria de medida de valor e de troca, caso contrário, é como moeda que entrará no processo de circulação. O moeda efetiva-se na contínua acumulação em maiores ou menores quantidades, no curso de sua coagulação, incessante em dinheiro e de dinheiro em moeda³. O processo de compra e venda com vistas à acumulação do dinheiro traz a tona o novo conteúdo do dinheiro, a moeda em suspenso, diferenciando-se das moedas circulantes. A moeda retirada da circulação, o dinheiro, armazenado nas formas que possibilitam seu armazenamento, o estado de crisálida de ouro, torna-se o Tesouro dos povos. É o valor e grandeza das nações.
.      “Como tempo de trabalho objetivado o ouro é fiador da sua própria grandeza de valor, e como encarnação do tempo de trabalho geral é o processo de circulação que é seu fiador, que assegura sua ação contínua como valor de troca” (MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p137). É ele mesmo o motor próprio da circulação, pois, como tesouro e símbolo da riqueza, o dinheiro converte-se no objetivo final da circulação. Vender sem cessar, ou seja, lançar as mercadorias continuamente em circulação, em razão da acumulação é a primeira condição do entesouramento. Sendo assim, a condição positiva se dará na aplicação no trabalho e a condição negativa do entesouramento se apresenta na poupança4.
.      A distinção do dinheiro em relação a moeda, acontece portanto em sua retirada da circulação na forma do tesouro e depois quando este retorna a circulação como negação do próprio meio-da-circulação e, finalmente, franqueando as barreiras da circulação interna se universalizando como equivalente geral, como o Dinheiro Universal5.
.      A acumulação do dinheiro não é só derivação inerente do processo histórico da forma D-M, mas também é motivado pelo desejo. Nas palavras do autor, “o dinheiro não é apenas um dos objetos da paixão de enriquecer, mas é o próprio objeto dela. (...) A paixão de enriquecer, ao contrário da paixão pelas riquezas naturais particulares ou pelos valores de uso tais como vestuário, as jóias, os rebanhos, etc., só é possível no momento em que a riqueza geral se individualiza numa coisa particular e pode, assim, ser retirada sob a forma de uma mercadoria isolada. O dinheiro surge, portanto, como objeto e a fonte da paixão de enriquecer.” (MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. P141). Em vistas a acumulação é preciso, entretanto, que essa ganância seja diferenciada da avareza, pois é a ganância que moverá o desejo de alienar o produto em busca do dinheiro no momento da circulação, pois para o vendedor, o produto não representa valor de uso, apenas terá esse valor quando alienado. Mas para que este vendedor pague no prazo contratado de algum serviço ou mercadoria é indispensável que se tenha vendido seu valor. A venda transformou-se então numa necessidade social. A venda de seu produto tem agora como motivo e conteúdo o pagamento ao credor, conteúdo este que resulta da forma do processo da circulação. A mercadoria atinge sua finalidade como dinheiro, como fim em si, mostra-se como função econômica6.
.      Enquanto este processo da circulação se efetivar teoricamente, onde as grandezas positivas se compensam com as grandezas negativas, não há a menor intervenção do dinheiro efetivo, porque o dinheiro, nesse sentido, é apenas medida de intermediação entre os valores das obrigações recíprocas. O dinheiro é apenas moeda ideal de cálculo. A função do dinheiro como meio de pagamento encerra, nessa relação, uma contradição. “De um lado, se os pagamentos se compensam, o dinheiro atua apenas idealmente, como medida; de outro lado, quando se dá efetivamente o pagamento, não se dá como meio de circulação fugidio, mas como modo de ser estável do equivalente geral, como a mercadoria absoluta; em uma palavra, como dinheiro que penetra na circulação” (MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. P152).
.      Nas sociedades onde o encadeamento de pagamentos e o sistema artificial de compensação se encontram desenvolvidos, como na sociedade burguesa, o dinheiro sofre uma transformação brusca, pois de sua figura etérea como medida de valor converte-se em dinheiro vivo ou meio de pagamento e é os momentos nos quais o curso destes pagamentos sofre uma interrupção de forma violenta e acontecem perturbações no mecanismo de sua compensação que surgem os fenômenos de crise do sistema monetário. O dinheiro como forma de pagamento do valor está diretamente relacionado aos metais preciosos como medida de valor, ou seja, está relacionado ao tempo necessário para sua produção, levando ao fato de que caso haja alguma alteração no tempo necessário, a medida de valor se alterará, valendo mais ou menos que o valor da época em que os contratos foram firmados. A função do dinheiro engendra portanto uma contradição pois se encontra em conflito em sua própria função como Dinheiro: como valor de troca autônomo e ao mesmo tempo em sua existência como mercadoria particular sujeita as alterações do tempo de trabalho requerido. A baixa dos valores do dinheiro como mediadores na circulação favorece dessa forma os devedores à custa dos credores e, no campo oposto, uma alta acaba por favorecer os credores às expensas dos devedores7.



Bibliografia

¹. MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p134.
². MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p147.
³. MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. P136.
4. MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p138.
5. MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p154.
6.. MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. P149.
7. MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. P154.
 MARX, Karl. O Capital. Livro I, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p135, p137, p141, p148, p152.


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