sábado, 18 de janeiro de 2020

Microviolências e outras frustrações cotidianas

Já nem sei direito o que escrevi nos últimos posts, mas com certeza alguns vão me deixar envergonhado. Todos os anos pareço ser outra pessoa e já não me identifico com nada do que escrevi antes, talvez com a raiz dos problemas, mas a forma de lidar ou entender os mesmos mudou em vários sentidos. Passei o dia inteiro pensando sobre o passado, com ansiedade, tive pesadelos, dias me correndo, sofrendo com meus erros, mesmo que não declarados, com o que deveria fazer e não fiz... Pensei inicialmente em escrever dois posts diferentes, mas penso que é melhor deixar tudo em algo mais conciso. Pensei muito em microviolências e liberdade. Tenho pais maravilhosos, sim, esse é um post sobre família e relacionamentos. Eles são pessoas muito boas comigo, meu pai é um homem simples, minha mãe teve educação, mas ainda assim tem diversas concepções "boomer" sobre maconha ou mesmo comunismo, apesar de ser mais liberal em relação aos lgbtqi, existem sim alguns preconceitos encobertos, talvez mais relacionados à classe, já meu pai é um pouco mais ignorante e diversas vezes o vejo cometer falas com teor racista ou homofóbico. Quando era mais novo também já cometi diversos erros de julgamento, menosprezando outras pessoas ou me menosprezando por coisas banais como aparência ou sexualidade. Na minha adolescência ouvir comentários homofóbicos na minha própria casa foi algo de grande estresse e muitas vezes me ofendeu intimamente ou me causou algum tipo de insegurança que carrego comigo até hoje, porém agora, quem eu sou, tenho muito mais noção de que essas falas são uma forma dele se sentir melhor, "mais ajustado", como mecanismo para lidar com suas próprias paranóias e frustrações. Meu pai sempre teve vergonha de ser pobre, de seu passado na pobreza, como todo heterossexual bonito, casou com uma mulher com vida financeira mais equilibrada, tanto no primeiro casamento quanto no segundo. Pouco tempo surge o milagre da vida e a gravidez. A família inteira da minha mãe foi contra e todos sempre comentaram que ele deveria trabalhar como qualquer coisa, para pelo menos ter uma carteira assinada. Meu pai sempre se recusou aos conselhos da família da minha mãe, talvez pela vontade de se afirmar, hoje está velho, doente, sem aposentadoria e ainda vive muitas vezes com o favor da família e de minha mãe. Minha mãe, coitada, recusou diversos casamentos arranjados que seriam muito melhores para ela, enquanto segurança e patrimônio, talvez também como uma forma de rebeldia contra os interesses da família, legislando sobre nós como se fossemos crianças. Voltando ao meu pai, até hoje ele tem uma loja de antiguidades, que é na verdade um dos lugares mais legais que conheço desde a infância, mas nunca foi uma loja lucrativa. Serve como forma de dizer que ele não é um simples empregado, mas dono de um estabelecimento comercial. É claro que isso marcou sua personalidade de uma hipocrisia que as vezes é indefensável para nós, seus filhos. Minha irmã mais velha até rompeu relações com ele. Por outro lado ele como todos nós é uma pessoa que cometeu erros e tem também seus arrependimentos, mesmo comentando diversas coisas homofóbicas, não sei se ele me considera heterossexual, o que acredito que não porque tive adolescência, tive namorados, e ele não é cego, além de mais velho, porém por ser um homem simples as vezes desconfio de sua percepção sobre a vida e mesmo sobre valores, uma vez que o mesmo sempre viveu às custas da minha mãe, não que ele não contribuisse, quando ele consegue um dinheiro ele gasta todo em casa, mas no sentido de que nunca foi suficiente para garantir um aluguel. Por outro lado minha casa sempre teve móveis verdadeiros, nada daquelas produções em massa com madeira prensada, todo mundo sabe o quanto é caro decorar uma casa e o quanto é caro ter uma boa cama, o que é o meu caso, tenho uma ótima cama e foi meu pai que arranjou, sem nunca me cobrar qualquer coisa. Este é o ponto, na adolescência todas essas questões interligadas mais os comentários de homofobia me incomodavam muito e me prejudicaram muito em meu desenvolvimento, até hoje tenho dificuldades para confiar em outras pessoas, tenho medo de me abrir, considero todos traidores, por outro lado hoje tenho mais referencial teórico para entender, compreender e modificar o que sinto em relação ao que os outros dizem ou fazem. Aqui na casa dos meus pais não tenho a mesma liberdade para fumar um baseado em paz, sempre existe aquela ideia "boomer" da guerra as drogas e da marginalização. Claro que tem gente que até apanha da familia se for pego fumando um baseado, tenho sorte de vir de uma família mais educada, porém é sempre aquela invasão de privacidade, não posso acender um cigarro que já batem na minha porta, reclamam do cheiro, "preciso guardar algo no seu quarto", e por aí vai, recebo mensagens no celular sobre "poder me abrir caso esteja passando por algum problema", ou "não precisa esconder nada, só queremos o seu melhor", falas que podem parecer engraçadas para alguns e bem intencionadas para outros, mas também são formas sutis de me ofender, porque me colocam como alguém que está cometendo uma ilegalidade terrível, quando só queria mesmo ficar no pc em paz, e chapado, por que não? Enfim, dias seguidos sem poder fumar tranquilamente, sempre paranóico porque em questão de minutos batem em minha porta (que preciso deixar trancada, porque se estiver destrancada vão entrar simplesmente, sem bater), por essas e outras acabo sofrendo e me sentindo muito mal, porque não quero dar nenhuma preocupação, ao mesmo tempo não tennho a mesma liberdade a que estou acostumado. Eu entendo que não estou na minha casa, não fumo na sala, vendo tv, não fumo enquanto estou cozinhando, não posso fumar na área de serviço porque "ilegal", enfim, as proibições estão postas e tem também os outros vizinhos, porque moro em prédio. As vezes sou obrigado a correr risco de sofrer algo contra minha integridade física porque preciso sair na rua para poder fumar um baseado em paz, em um pais que pode me prender por acender mato "alucinógeno", por essas e outras que acabo sofrendo demais com as outras pessoas e costumo me isolar, porque é mais seguro. Não que morar aqui com meus pais seja inseguro, mas emocionalmente, psicológicamente, mesmo que não seja uma referência a mim, ao meu individuo, é horrível ouvir comentários racistas ou homofóbicos do meu próprio pai, saber que o mesmo nunca estudou, trabalhou poucos anos formalmente e depois insistiu nisso de ser empreendedor em uma época que não tinha nem sentido (as pessoas ainda acreditavam em fundos de pensões), enfim, ele tinha toda a chance do mundo, na ditadura qualquer idiota tinha emprego formal ou era concursado, basta ver o numero de "boomers" concursados que não sabem nem mexer no celular e estão lá com seus bons salários enquanto nós jovens na miséria... É nesse sentido minha frustração também, saber de onde vim, saber o que poderia ter sido melhor na minha vida, que diferença faria se eu tivesse tido um pai estudado que tivesse ao menos um carro velho pra me passar (assim eu poderia fazer um dinheiro e deixaria rendendo em algum investimento), mas nem isso, tenho que começar do zero porque o cara que era para ser meu "idolo" ou "figura exemplar" é um cara que se recusou a trabalhar de qualquer coisa por  "orgulho"! Se não fosse esse "orgulho", se tivesse escutado qualquer comentário idiota dos meus tios mais ricos como "por que não trabalhou no supermercado?", hoje com certeza o velho estaria aposentado. Por outro lado isso é culpa da minha mãe, que nunca colocou um ponto final, uma vez que ela pode ir levando a situação com a barriga. Também não dá pra demonizar o meu pai uma vez que origem simples, baixa escolaridade, inserido artificialmente em uma família mais organizada, enfim, agora racista e homofóbico é só um complemento da classe de onde ele veio e nunca saiu de verdade, porque se saiu foi pra depender dos outros e sofrer humilhação. Como todos nós sabemos depender dos outros é um dos piores venenos que alguém pode viver submetido, eu mesmo hoje sou grato dele não ter colocado um fim em si mesmo ou nos outros, por que foi sim humilhado diversas vezes por causa de dinheiro ou falta de dinheiro, o que talvez seja um motivo pra ele insistir nessa ideia de negócio próprio... É aquilo, ilusões, ilusões, muitos me colocam como rico, não sabem o que passei aqui e o que continuo passando. Sei que tem muitas pessoas com problemas piores, que apanham em casa porque "foram flagrados" com maconha, por serem gays, sei lá, qualquer coisa rídicula assim, porém sofrimentos não são comparáveis, não existe um troféu para quem sofreu mais ou menos, independente se as pessoas não acham isso grande coisa, pra mim é sempre de grande transtorno mental/psíquico ser colocado nessa situação de "flagrante" como se estivesse com "algum problema", sem minha privacidade respeitada, ouvindo comentários ruins sobre algo que eu sou (lgbtqi), ouvindo comentários ruins sobre a raça de outras pessoas, como se isso fizesse dele melhor, porque heterossexual e "bem casado", temente a Deus, cuja "Riqueza são os filhos", me poupem disso tudo. São esses os pontos que me colocam as vezes em desespero. Seria muito mais fácil ficar aqui, sem precisar pagar aluguel, sem precisar trabalhar desgraçadamente para ter minha vida própria, mas depender dos meus pais só me faz pensar que sou o meu próprio pai e nesse sentido jamais quero viver a vida que ele levou, tenho horror a quem humilha o próximo por dinheiro, eu mesmo sendo pobre, trabalhador, as vezes penso em ficar por aqui, mas só de pensar nisso tudo, de que não posso acender um baseado em paz, porque vão entrar no meu quarto, talvez vasculhar minhas coisas quando estiver ausente, atitudes que só contribuiram para me deixar paranóico, enfim, com problemas de confiança no próximo, fora isso, o fato das piadas com homossexuais, quer dizer, se um dia eu quiser namorar um homem ele vai "ficar angustiado" ou "discordar", como se tivesse esse direito! Eu não penso em namorar um homem, já tentei algumas vezes e foi horrível, talvez por assistir o casamento tradicional maravilhoso dos meus pais, tenho trauma quando fui colocado em situação de casal com mulheres também, enfim, é péssimo não ser respeitado em minha sensibilidade, sendo obrigado a ouvir comentários de ignorância que não escuto em lugar algum, não ter dinheiro pra começar, não ter apoio do meu pai porque ele depende em partes do apoio da minha própria mãe, ter que correr atrás de tudo pra não viver na dependência e ser humilhado por causa disso, ter que ficar sozinho por não confiar em ninguém porque ninguém é de confiança, ouvir comentários homofóbicos e racistas contrariando tudo o que sou ou que acredito, não poder fumar maconha em paz, sem sofrer constrangimento, porque na lógica invertida claramente "existe um problema", o único ponto positivo é que eles não me internariam à força em campo de reabilitação algum, assim como fizeram no filme nacional "O Bicho de Sete Cabeças", porém só de ter que fumar escondido já me sinto péssimo, como se estivesse fazendo algo de errado, quando na real seria mais tranquilo viver se eles tentassem ao menos não me criminalizar ou "descobrir o meu terrível segredo", até aqueles vídeos absurdos com mentiras sobre o uso de maconha e toda aquela panfletagem careta de merda da época da ditadura que os "boomers" mandam pelo whatsapp são uma ofensa, também queria ser poupado... Tenho me cobrado um pouco pra sair de casa, dessa vez sai algumas vezes em SP, encontrei um amigo antigo muito querido, encontrei outro amigo que também gosto muito, marquei com uma amiga, mas é muito díficil pra mim querer fazer qualquer coisa que envolva ficar no frio, na chuva, pegar transporte público, socializar... Gosto muito de ficar em casa, com um cafézinho, lendo alguma coisa, por outro lado por ter que fumar maconha escondido, para não gerar comoção ou desconfianças ou mesmo preocupação desnecessária, ou comentários hipócritas de perguntas retóricas como "que cheiro é esse heim?", acabo ficando com o horário um pouco desregulado, ficando por vezes acordado de madrugada, logo perdi muitos dias que poderiam fazer algo à tarde, mesmo lidar com meus sobrinhos que são crianças lindas, diversos dias praticamente "ignorei" as crianças e isso me fez me sentir um pouco culpado, muito egoísta, poderia ter passado ao menos 15 minutos com as crianças, mas eu queria sair da cama? Me culpo também de não ter ido na minha avó doente todos os dias, mesmo assim acordo quase as 16 horas da tarde, nas férias, porque resolvi ficar online no dia anterior, não fazendo nada... Perco mais horas no facebook do que com pessoas que estão a minha volta. Porém as vezes prefiro mesmo ficar online e em casa, sem sair, fumando um baseado enquanto assisto algo no youtube, queria só conseguir acordar mais cedo para pelo menos ir almoçar com minha avó, mesmo assim me acarreta um certo sofrimento saber que ela está cada vez "morta", da mesma forma tenho sofrido psiquicamente por não dar a devida atenção às crianças, o que me deprime ainda mais, me dando ainda maior vontade de ficar sem interação alguma com ninguém, o que me acarreta ainda mais sofrimento por simplesmente não querer interagir com ninguém e me culpo por esse egoísmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário